segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Fotografia: Heber Souza Santos


Por Mario Gochi 


Após o golpe de 1964, que significou uma grave ruptura da na então frágil democracia brasileira, embalado que foi pelos ventos da guerra fria, no Brasil se travou uma dura luta pela redemocratização, ao custo de muito sacrifício e de sangue. Silenciosamente o regime que sobreveio do golpe se valeu dos mais perversos expedientes que a natureza humana conhece, para manutenção do establishment e para eliminação da resistência. Contudo, não foi capaz de erradicar a esperança dos corações e mentes. E assim, o flagelo do arbítrio foi perdendo a força que o sustentava, premido internamente pelas lutas e mobilização social, e externamente pelo inevitável isolamento que resultaria da manutenção de um regime autoritário. 

Alcançou-se, então, ainda que de forma negociada e lenta, a possibilidade de se refazer um pacto social, de modo a estabelecer um estatuto político que servisse a, de um lado, garantir a livre inciativa, e de outro a se fazer observar o respeito a dignidade da pessoa humana, que se materializaria nos direitos e garantias individuais (art. 5°), bem como nos direitos e garantias sociais e do trabalho (art. 7°). Este pacto se concretizou na Constituição de 1988. O Estatuto social estava enfim construído.

O capital e o trabalho ganharam, portanto, um sistema normativo que, se não pacificasse completamente a suas relações, mitigaria os conflitos, oferecendo regras de soluções para estes. Todavia, o estatuto político pactuado, mais que oferecer um conjunto de regras soberanas para pacificação social, entregou a toda sociedade uma Carta Política que informaria, dentro e fora do território, a sua identidade, que o Brasil é um Estado (corpo) Soberano, regido por um sistema (alma, espírito) de Democracia. No mesmo passo, ao entabular o pacto, a sociedade entregou às agências públicas de controle (burocracia estatal), o papel de garantidor do Estatuto Político firmado. Ocorre, que estas agências estatais de controle, certamente as maiores beneficiárias do pacto, não submeteram suas entranhas ao espírito emanado do novo Estatuto Político.

Carcomida por um ranço de autoritarismo, inerentes ao seu próprio formato interno, alheias a qualquer compromisso com o alargamento da capacidade produtiva da sociedade, e o que é pior, fiel a sua tradição de aparato de sustentação de uma sociedade de classes, não foi e não seria capaz de impedir a quebra do pacto social, ao contrário, alinhou-se, adesivamente, aos que, diante da materialização da pauta social que integrou o corpo do pacto (Constituição), romperam-no, como se formatassem um novo acordo, mas que desta vez excluído o trabalho. 

Esta ruptura do pacto de 1988, operada pelo capital, que se valeu da elite política de tradição cleptocrata, e das agências estatais de controle, para impor o seu novo modelo, traz como consequências mais nefastas: a exclusão da ampla maioria social do orçamento estatal e a quebra da soberania do Estado Brasileiro, por via da liquidação do patrimônio público em favor das grandes corporações estrangeiras. Para as futuras gerações não restarão riquezas nacionais que possam sustentar um modelo de vida dos nossos nacionais com o mínimo de dignidade.


Mario S. Gochi é advogado com especialização em Ciências Criminais

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