terça-feira, 13 de julho de 2010

Alessandro Atanes

Embalado com o centenário de Patrícia Galvão, a Pagu, volto a seus textos críticos. Na semana passada mostrei o que a intelectual, por meio do pseudônimo Mara Lôbo, havia escrito sobre Vicente de Carvalho. Hoje, destaco o que ela escreveu sobre um de meus autores preferidos, Italo Calvino (1923-1985).

Em 10 de julho de 1960, Mara Lôbo publica na coluna Literatura, do jornal A Tribuna, o artigo Literatura em livro de bolso: I. Calvino, no qual comemora a publicação em português de O atalho dos ninhos de aranha, seu primeiro livro, de 1947, em edição de bolso da Portugália Editora, de Portugal.

Aí nota-se como Patrícia mantinha-se atualizada, citando ainda conhecer O barão nas árvores (1957), que ela chama de Barão Rampante, e O cavaleiro inexistente (1959), que trata no original italiano (Il Cavaliere inesistente). Além dessas três obras, Calvino havia publicado ainda em 1952 O visconde partido ao meio.

A colunista conta que o O atalho dos ninhos de aranha fez Calvino conquistar um espaço importante na literatura italiana no pós-guerra ao tratar do combate de partigianos, dos quais o autor fez parte, contra alemães e fascistas na Ligúria Ocidental. Mas, para ela, o melhor viria com sua obra posterior: 

Calvino, que vinha de uma história viva e real, recordando seus companheiros de Brigada, lança-se aqui a outro plano, o de uma transposição mitológica, para o que concorreu a feitura de outro romance, “Il Cavaliere Inesistente”, que Calvino realizou após tentar o gênero do conto filosófico e muso do século dezoito... Como se vê, o escritor não fica no plano de um realismo próximo, mas busca e pesquisa, e daí esse “Barão rampante”, que é um livro já seu, já originalmente trabalhado e sem filiações fáceis, como o seria se ele tivesse se mantido na linha dos grandes contos, tipo chamisso, do “Homem que perdeu a sombra”.

Mara Lôbo enumera as qualidades de Calvino que tanto faria a alegria de leitores em todo o mundo nos anos seguintes: agilidade mental, utilização dos recursos do humor no sentido inglês do termo e uma divagação cheia de poesia e fantasia. E conclui:

Sem dúvida, os trinta e poucos anos de Italo Calvino amadureceram na guerra, e este romance de Ligúria em guerra será um dia esquecido. Mas, com ele, Calvino ganhou celebridade e avança para produzir seu livro original, que o “ Barão rampante” já anuncia mais nitidamente. O livro de bolso realiza a missão de renovar os títulos e apresentar nomes que doutra forma demorariam muito a chegar à língua portuguesa. E com isto a literatura toda recebe novas contribuições.

Essas qualidades da escrita de Calvino foram captadas pelo escritor português Gonçalo M. Tavares em seu O Senhor Calvino, livro de uma série, O Bairro, em que escritores emprestam seus nomes a protagonistas de histórias que exploram o universo literário do escritor escolhido, como os senhores Brecht e Kraus. Olha só como isso ocorre no texto 2º sonho de Calvino, em que uma borboleta entra em sua cabeça:


Calvino sente as cores aproximaram-se do seu ouvido e sorri, enquanto a borboleta entra, pela orelha, passo a passo, asa a asa, para dentro da cabeça. Está agora lá dentro e esvoaça, as pequenas asas abrem e fecham delicadamente a Calvino sente-se bem, muito bem: como se a partir dali já não precisasse de pensar em mais nada, como se o mundo estivesse, finalmente, pensado e resolvido, sem a necessidade de qualquer renúncia humana. calvino sente-se feliz.

Porém, ainda no sonho, Calvino acorda. Uma forte dor de cabeça: e parece não querer passar.

Pós escrito


Em reportagem de A Tribuna, Márcia Costa mostra artigos escritos por Pagu (leia aqui)

Leio o artigo sobre Calvino e os da semana passada sobre Vicente de Carvalho por causa de pesquisa de Márcia Costa, minha companheira (também deste blog), que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o trabalho jornalístico de Patrícia Galvão em A Tribuna. Parte do artigo está reproduzido em Viva Pagu: Fotobiografia de Patrícia Galvão, de Lúcia Maria Teixeira Furlani e Geraldo Galvão Ferraz, lançado agora no início de julho, uma contribuição à história cultural de Santos e do Brasil. Voltarei ao livro em outra oportunidade.

Referências:
Patrícia Galvão. Literatura em livro de bolso: I. Calvino. Literatura: A Tribuna, 10 de julho de 1960.

Lúcia Maria Teixeira Furlani e Geraldo Galvão Ferraz. Viva Pagu: Fotobiografia de Patrícia Galvão. Santos e São Paulo: Unisanta e Imprensa Oficial de São Paulo, 2010.

Gonçalo M. Tavres. O Senhor Calvino. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007.



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