quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Agora em português, entrevista feita por Marcelo Ariel com a fotógrafa peruana Galia Gálvez; tradução de Alessandro Atanes



Na sua opinião qual seria a função social da fotografia e da arte em geral em nosso tempo?
Penso que a principal função da arte é informar, sensibilizar e educar a população. Um povo informado é um povo desenvolvido e livre, não se deve cair na arte pela arte. Não é segredo que a informacão é restringida ou mal manipulada e a sociedade vive desinformada, desconhecendo coisas elementais que ocorrem em seu entorno. Uma fotografia artística também pode ser jornalística e vice-versa. O repórter gráfico é um cronista visual do contexto em que vive, assim como o artista é o ser humano que vive as agitacões mais profundas do universo e as traduz em criacão, sua criacão. Grande parte desta criação deve responder aos interesses da sociedade, além de questões pessoais. Deve-se fotografar para si mesmo e também para os demais. Essa é a funcão mais válida para existir a fotografia, bem além de ser uma ferramenta de documentacão ou registro.

Como e por que você começou a fotografar?
Tive uma infância com a vista de paisagens incríveis, entardeceres incendiados bem vermelhos, a neve extensa, céu como manto de estrelas, montahas que pareciam gigantes, nuvens de algodão. Creio que isso vai marcando o que alguém será mais para frente. Comecei tentando fazer filmes aos 19 anos, talvez tivesse gostado de ser pintora. Como isso não se deu, já estudando jornalismo, descobri outras possibilidades e me encontrei com a fotografia. Comecei a percorrer a serra do Peru, acompanhava meu pai em algumas viagens e disparava em direção às paisagens sem me cansar, a vida cotidiana nos andes. Nesse mesmo ano, por coisas da vida, cheguei a um hospital e durante minhas visitas ao local vi na parede fotos em preto e branco, uma delas que me marcou foi o El gigante de Paruro de Martin Chambi, fotógrafo pioneiro no Peru. Isso soube depois. Desde então decidi me tornar fotógrafa.

Como você vê a situação da Cultura e da arte na América Latina?
A América Latina é privilegiada em quanto à diversidade de histórias e riqueza cultural. Há muito boas expressões de arte e de fotografía apesar de tudo. O problema é que os governos não investem o que deveriam em educacão e cultura para que exista um bom desenvolvimento social. Política e cultura nunca caminham de mãos dadas. Tanto no Peru como no Brasil as diferenças sociais são extremas, em Lima existem bairros muito exclusivos e a 10 minutos de distância dali há lugares pobres que sobrevivem quase como no início da humanidade, é incrível. Os propietários dos veículos de comunicacão não oferecem aos jornalistas todas as ferramentas necessárias para que realizem seu trabalho, o mínimo de infraestrutura, o mérito real em muitos casos é do jornalista e não do veículo. Como o ladrão vai deixar a poerta aberta para a polícia? Algo similar é a situação. No caso dos repórteres gráficos, falo do Peru, eles expõem constantemente sua vida ao perigo por causa do trabalho que realizam, mas o veículo não lhes dá o nível de segurança adequado nem para eles nem para seus equipamentos. É tudo um círculo terrível.

Quais são os fotógrafos que te inspiram e influenciam e por que?
Martin Chambi (foto acima) me inspirou muito em um momento. Há tantos fotógrafos que não têm o devido reconhecimento no Peru e acho que em toda a América. Um amigo que parece um tremendo fotógrafo é Virgilio Grajeda, fotojornalista peruano, bem silencioso, mas por seus olhos desfilaram feitos transcendentais da história peruana, latinoamericana, que ele soube registrar. Francesc Boix Campo, enfim tantos bons fotógrafos que sería mesquinho mencionar uns e não outros. Por outra parte uma grande fonte de inspiracão para mim é a música e as próprias pessoas, minha sociedade, meu país, excepcionalmente diverso, complexo e rico. O universo e a vida em si, é tudo. Da mesma forma que me emociono ao ouvir o atabaque, me emociono quando ouço o cajón peruano ou outra música do mundo que caia em mim e me faça pensar em fotografar.

Qual a importância da literatura e do cinema no seu trabalho?
A narrativa e a poesia e o bom cinema são de vital importância para mim. As propostas demasiado publicitárias do cinema hollywoodiano geralmente apelam muito aos efeitos audiovisuais ou ao 3D, mas têm argumentos muito pobres, são como um manequim apático bem vestido e maquiado. A “fotografia” de 3D o HDR é bonita mas de forma alguma é meramente jornalismo ou fotografia, é arte de desenho gráfico, em todo caso pois dista muito de retratar a realidade, é válido como arte desde que que tenha uma mensagem. Vejo cinema independente, documentário e latinoamericano ou volto sempre ao cinema europeu do neorrealismo italiano, ao cinema francês. Enfim, sou uma vasilha que me nutro de tudo que considero útil para meu trabalho. Já disse antes, o fotógrafo não é só aquele que aperta o disparador, mas que se forja, se instrui. Isso é um processo de formacão. Fotógrafo não é sinônimo de máquina de produzir fotos. Se nos tornamos máquinas de fazer fotos, perdemos nosso sentido de seres humanos, de criação, nos tornamos manequins. O fotógrafo, quando vai apertar o disparador, nesse segundo mágico, deve ser consciente, o que está fotografando?, por que está fotografando?, para que e para quem está fotografando?, como vai fotografar? Isto se aplica a outras artes como a poesia e a literatura. Quando um escritor vai redigir algo e suas ideias fluem sabe a razão do que vai fazer. Gostaria de ter mais tempo para viver o dia a dia. Finalmente o que alguém pode fazer como indivíduo para que as coisas melhorem é pouco, mas se somamos este esforço em muitos outros artistas conscientes, podemos com nosso minúsculo grão de areia afetar o mundo.

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