quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Editado por Dailor Varela e Máh Luporini e circula em Monteiro Lobato e região, o jornal O Grito publicou a seguinte entrevista com o escritor Marcelo Ariel, deste blog:
Foto de Lucila de Jesus

Cubatão é um "poema sujo"?
Marcelo Ariel: De modo algum, Cubatão é o Xeque-mate do Brasil, um lugar onde a questão da sustentabilidade é quase um enigma do terror. Por um lado é a "Canudos" simbólica do Século 21 e pro outro a matriz de praticamente todas as "politicas de desenvolvimento" que existem em detrimento do humano. Favelas 'interiores' cooptadas e neutras & Indústrias alienadas sem função social de um lado e a natureza e seu já conhecido ecoterror do outro. O Brasil será cada vez mais Cubatão, podemos falar em uma Cubatãonização do Brasil em curso a princípio na cidade de São Paulo e arredores em lugar da já economicamente viável riodejaneirização de todo o território, ou uma fusão das duas coisas. Matéria prima para uma poética que se vale da observação ativa como um dos seus campos de força. O poema citado do Gullar nasceu de um sentimento de não-pertencimento e de inadequação que ganhou a mediação das forças proustianas da interioridade. É um poema ontotontológico como o meu "Soco na névoa", existe uma relação de comunicação entre os exílios, que liga todas as poéticas, desde que um sentimento de indignação seja o vetor da coisa e não a simples expressão de um egocentrismo lírico.

Quando a poesia chegou até você?
Marcelo Ariel: Não sei, creio que a poesia nasce com a pessoa e é arrancada, como quem arranca as raízes de árvores centenárias e deixa as ervas daninhas crescerem no lugar. Podemos até falar em pessoas asfaltadas. O primeiro livro que li foi A ILHA PERDIDA de Maria José Dupré e o título desse livro deve ter entrado dentro do meu cérebro como um signo da poesia, depois li O LOBO DA ESTEPE de Hermann Hesse, digamos que uma criança de 9 anos deve ter cruzado dentro de si, a idéia de fuga utópica possível de um livro com a reinvindicação da energia da recusa de outro, e este é um campo perfeito para a árvore do poema crescer e arrebentar o asfalto, arrancar os fios de alta tensão.

O que é ser poeta?
Marcelo Ariel: Uma maldição e a sobrevivência do espírito no mundo do demônio, não é de modo algum um privilégio, embora exiga uma certa nobreza interior, delicadeza selvagem, e um grande conhecimento de alta magia, não se pode vencer o demônio sem o conhecimento poético que é o equivalente do conhecimento mágico. Grandes poetas-magos como Blake,Virgílio, Macedônio Fernandes,Pessoa e Herberto Helder conjugam em suas vidas, a magia e a poesia como éticas.

Sua poesia é um soco no estômago, desmistificando aquela ideia de que poesia é um " vaso de flores" ornamental? O que é poesia para você?Marcelo Ariel: A resposta para essa pergunta deve ter a exata duração de uma vida. Não se trata de uma mistificação, nem da apropriação da força simbólica dos mitos para "uso social", como pro exemplo fez a psicanálise do Sr. Freud ao converter os mitos em "doençinhas" ou seja em magia negra. A poesia é de algum modo o "Monte Sinai" de todos os mitos e mistérios que através dela se reconciliam com o "extinto"  gênero humano, veja que estou considerando a própria linguagem um mito.

O poeta francês Jean Cocteau disse que "a poesia é uma maldição". O que você acha?
Marcelo Ariel: Concordo em parte. A maldição pode ser também a economia, algo bem mais demoníaco que a pratica da poesia ou a filosofia, um uso terrível da linguagem para esquadrinhar o mundo, quando não praticada por poetas como Nietzsche,Confúcio,Badiou,Mário Ferreira dos Santos, Flusser, Vicente Ferreira da Silva ou Juliano Garcia Pessanha.

Quem faz sua cabeça em termos de poesia?
Marcelo Ariel: Estou tentando graças a um amor recente, viver fora da cabeça. A questão primordial para mim hoje é ser o portador de um corpo mágico conectado ao mundo pela força erótica e não apenas pela linguagem. Hoje leio com lentidão e deixo  o tempo da vida e o tempo das coisas ocuparem cada vez mais espaço no cotidiano.  Citei vários outros poetas nas respostas acima, vejo a citação como um diálogo cifrado e um mapeamento das fontes de uma poética, não escondo o jogo, estou realmente dialogando com O OUTRO que se esconde no que vai escrito na capa dos livro, é um jogo extraordinário esse de capas contra lápides. Uma grande alegria é a descoberta de OUTROS poetas onde julgávamos não haver MAIS NADA. Sejam poetas de um século atrás ou duas décadas atrás. Por exemplo, a alegria de descobrir Giácomo Leopardi,Cesare Pavese e Pedro Maciel e Pedro Costa é a mesma. Mas os maiores poetas de todos os tempos são os anônimos que escreveram O QOELET, OS VEDAS, O I CHING. Estes são objetos mágicos e não apenas livros.

Como você vê a poesia produzida hoje no Brasil?
Marcelo Ariel: Existe um abismo enorme entre a poesia publicada pelas editoras, pequenas, médias ou grandes e a poesia que se faz no tempo atual do Brasil, imagino e sei da existência de um "Jorge de Lima" no Xingú dentro de um índio, de um "Drummond" na Crackolândia dentro de uma mãe solteira de 19 anos, mas veja meus parâmetros são os do cemitério reluzente dos cânones. E a poesia está cada vez mais onde ninguém imagina ou espera. O cinema e o celular por exemplo serão os suportes mais úteis para o poema em breve, porque serão um e o mesmo suporte, imagine só um filme-poema chamado A DIVINA COMÉDIA transmitido via celular para o interior do sonho de uma adolescente de 17 anos. O abismo existe mas poderá ser preenchido por um oceano de possibilidades. Agora o que chamamos de Brasil, poderá sobreviver como um delírio organizado. O que chamamos de poesia, deverá sobreviver mesmo que a humanidade desapareça da face da terra.

"A crítica que não toque na poesia" disse Caetano. Você concorda? Ou acha que deve haver crítica á poesia?
Marcelo Ariel: Sim, o critico-artista citado por Oscar Wilde é o crítico ideal. No Brasil a cooptação é geral e existem cada vez menos críticos, cada vez menos artistas. Posso citar alguns exemplos de críticos-artistas, Murilo Mendes foi um. Maurício Salles Vasconcelos é outro.

As grandes editoras tem uma visível aversão á poesia. Como vê essa aversão?
Marcelo Ariel: As grandes editoras que se espelham nos cemitérios culturais da Europa? Que publicam um livro a cada quatro horas apenas como álibi para negociatas com o governo ou como "status" ? Bem, a poesia entra aí como um álibi. Fico com os escritores e contra as editoras sempre. Mas para quando está marcada O GRANDE ATO DE REVOLTA DE TODOS OS ARTISTAS DO BRASIL E DO MUNDO? As grandes editoras,os grandes canais de tv, os grandes provedores da internet , os governos e a classe empresarial que dominam a indústria cultural , vêem isso como uma impossibilidade e nós os vemos como outra. Logo não existe distinção entre uma editora e um banco, um governo eleito e um banco e imagine só, chegará a nossa vez, teremos em breve "bancos poéticos'' que inves tem milhões em "poesia". É uma "aversão" que significa na verdade que a poesia "ainda não rende na bolsa de valores" e apenas isso, quando isso acontecer todos irão se lembrar de Platão, e poucos de Wallace Stevens.


1 comentários:

  1. Incompreensíveis,os poetas são o mundo,a vida;sãoa dúvidaea certeza.

    ResponderExcluir

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.