quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Alessandro Atanes, para o Porto Literário do Portogente
 
Tendo como motivo a chegada no porto de Santos em 26 de janeiro do E-Ship 1, navio de propulsão auxiliar eólica (por ventos) em sua viagem inaugural, o jornalista Mauri Alexandrino escreveu para o Jornal da Orla (O vento e o tempo) uma pequena história das mudanças técnicas e tecnológicas na propulsão de navios vistas no porto de Santos, desde a atracação inaugural do Nasmyth em 02 de fevereiro de 1892 que, apesar de contar com motor, também usava velas.

Um pouco antes, em 1810, logo após a abertura dos portos às nações amigas, quando o porto ainda era de pontes e trapiches, o comerciante inglês Willian Henry May, que então morava no Rio de Janeiro, relata em seu Diário de uma viagem da baía de Botafogo à cidade de São Paulo (1810) o dia a dia da expedição organizada pelo cônsul inglês no Brasil entre 1808 e 1811, sir James Gambier, à procura de madeiras para a indústria naval britânica.

A expedição era formada pelos navios Fanny, onde estava embarcado May, e Nancy, os dois movidos por velas. Entre as duas pontas da viagem, eles chegam a Santos em 11 de abril. O viajante descreve a dificuldade para vencer a correnteza contrária no canal do estuário. Três dias são ocupados com a tentativa de vencer as três milhas entre a fortaleza de Santo Amaro e a vila.

Tivemos uma dificuldade enorme para ultrapassar o forte, pois o vento soprava contrário e com intensidade, e havia uma poderosa correnteza contra nós. Acabamos por despender o dia todo tentando conduzir a embarcação cerca de uma milha e meia pelo dito canal. Ao entardecer, resolvemos ancorar e esperar por um vento favorável no dia seguinte.

Em outro relato, desta vez ficcional, datado de 22 de janeiro de 1887, o personagem Manuel Barbosa, do romance A Carne (1888), de Júlio Ribeiro, descreve a cidade de Santos em uma carta no qual alia a falta de vento às altas temperaturas da cidade. E, na descrição do personagem, quando venta, venta o abafado Vento Noroeste.

Falam no Senegal: o Senegal é mais quente, valha a verdade, mas não é tão abafado. Lá respira-se fogo, mas respira-se. Aqui não se respira nem fogo, nem coisa nenhuma. O ar é pesado, oleoso; parece que lhe falta algum elemento. Isso quando não há o vento célebre que os nativos chamam noroeste: quando sopra, quando reina esse semoum africano, esse vendaval-peçonha, Santos é uma miniatura do inferno: imagine-se um tufão dentro de um forno.

Os dias são horríveis: se não há chuva, o que é raro, o sol queima, esbraseia a terra, a ponto de se poderem fitar ovos sobre as pedras das calçadas. Mas ainda há coisa mais horrível que os dias, são as noites. A atmosfera queda-se, morre. Olha-se para as flâmulas dos navios, imóveis; para os leques das palmeiras, imóveis. A gente a asfixiar no ar irrespirável e morto, parece-se com os mamouths [mamutes] que se encontram inteiros nos gelos da Sibéria, ou com esses insetos mumificados, há milhares de anos, na transparência dourada do âmbar amarelo. É uma situação aflita, desespera, tira a coragem, dá vontade de chorar, lembra os horrores da Treva de Byron.


Da falta de vento ao terrível tempo quante, fecho a coluna com um cartaz do Coletivo Action em homenagem ao nosso calorzinho.




Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.







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