domingo, 11 de setembro de 2011


Por Marcelo Ariel

Dando sequência a esta minha cartografia, vamos agora para os poemas de Maiara Gouveia, uma pulsão erótica que não descarta uma laicização do sagrado é uma das caracteristicas da poética de Maiara. Alguns poemas me lembram exercícios da psicomagia de Jodorowski, onde a metáfora é um poder, não de sublimação, mas de intervenção na realidade, como a extensão de um furor que nada tem a ver com o furor abstrato da razão, mas com a transfiguração de estados perigosos do ser, de um Pathos semelhante ao dos rappers, sem utilizar a sintaxe do R.A.P. mas dentro de sua esfera de contemplação ativa do mundo. Como nos expressionistas alemães Maiara alia a esta transfiguração, a evocação de uma simbologia que é um símile de seu mundo interior resignificado pelo  exterior, como um Uroboro em chamas, aí está talvez, uma das funções míticas do poema: Falar do mundo como o lugar onde a metáfora e o símbolo são instrumentos de abertura para uma possível intervenção, cujas linhas de força, apontam todas para o encontro com o Outro, não o Outro  de Rimbaud, mas com o Outro-Outro do Speculum Harmonium.







Se a palavra flor abrisse inflorescências. /Se


em cada face glabra, abracadabra: /outra


forma desdobrada. /E se nada se quebrasse,


/nem o baço, nem a margem de manobra.


/O abraço ficaria pendurado/ na miragem,/


onde a cabra entornaria o seixo, /a despencar


no grito (espaço aberto)/ e a garganta viraria


tempo /– um tempo de retorno – /até que o


verbo fosse inverso: /substância,


inflorescência.










LUZ EXTINTA






Primeiro, eu digo: fio de fumo.


E descemos.


À luz interrompida, o coro.


Divino enfurnado entre as coxas – extensões do escuro.


(Ou fagulha alojada no magma oculto).






Sorteio. O pano dos seios. E a pele-lençol.


Libações aos balidos. Pés e torsos.


Murmúrios noutras línguas. Lanhos.


Nome interrompido. Saliva de Brômio.


E manhãs que assustam.




O IMPERADOR






Substância






Ele não transcende


Esta forma provisória






Mas leva as maçãs de ouro


Ao jardim − herói solar






E ensina que a beleza


Não é um golpe de sorte






Moeda






Reina sobre o concreto


O visgo de ouro da pedra






O que emana do petróleo


Poder que fascina tanto






E mesmo com mãos atadas


Metralha e metralha


Com efeito vibratório






Ou o peso da Palavra


Quebrada no meio de um crânio






Não é um golpe de sorte


Mas leva maçãs de ouro




AUSÊNCIA






1.






Antes mesmo de ser, ele fere – íntimo desejo.






Morde por dentro a finitude


& chuta


(pés de bode, cabeça de carneiro)






Aqui, o corte, uma fenda:


eu te procuro nesta fresta.






2.






Não escorre entre as coxas, no abandono,


o filho do espanto, desfeito, viscoso:






ausência,


antes mesmo de ser.






3.






Clareira do sangue mais sujo.


Costura ESTE gesto ao grito.






E a seta que se lança à máxima estrela


(uma estrela do barro)


entorna só


memória de um querer


encolhido


latente.






4.






Não dedilho o abandono.


Não reflito.


Não mergulho


na atmosfera da fuga.


Sobrevoo a pauta.


Pura matéria, sem alma,


inteiramente escura:


musical.






5.






Eu te pertenço mais quando se apaga


a chama de uma vela.


Eu te perco no eterno,


e te procuro aqui, nesta fresta.






Respiro baixinho,


morro devagar.






6.






AGORA, minha lua de fogo incendeia os corpos petrificados


avança pelas trilhas de Saturno


resgata palavras no ventre da baleia


gargalha e fecunda a fossa


onde Nanã apanha o medo.






7.






Eu virei com as mãos a caixa de dádivas:


eram males também.






Tive a pressa de um herói, entornei manhãs, entornei


a Constelação de Órion


no centro do mapa.






Entornei o Arqueiro.


E ele feriu o calcanhar


do meu bicho do espanto.






Fincou na massa espessa do Acaso


a seta que se lança


à máxima estrela.



DOIS, A SACERDOTISA



Figurino






O losango rubro


De nobre tecido






E a mitra ou tiara


Fronteira com o Céu






Ação & arroubo


Sob o manto azul






Cenário


E a mitra ou tiara


Fronteira com o Céu


Em toda a América


Em Chihuahua






O vento não cura


Nem suga o cuspe-esperma


Na mulher de Moçambique






E há o lençol-navalha


E os dentes na cortina


E os banhos que nunca limpam


“Eu sou a visão do Mundo


Ninguém vive sem Estamira


Isso até me orgulha


E me deixa triste






Esses astros negativos


Sujam todo o espaço


E querem-me. Querem-me”






Em toda a América


Em Chihuahua






O corpo − terreno baldio


Pois a língua é masculina






Em toda a América


Em Chihuahua




AGAR






رجاه






ainda foge.






Ainda que o Deserto seja o Outro.






O Filho perfura a terra.


Explode em duas torres.






Há línguas em toda parte


& também cabeças – escombros.




UM, O MAGO






1.






No começo espreme a força


Do Universo em uma taça






Extremos se tornam claros


O enigma do baralho






& apetrechos da arte


Entre o artífice e a mesa






Bastão & moeda:


O poder e a vaidade






& outros disfarces


A fraude e a charlatanice






Entre as frestas da potência


E da intuição metódica






Talhada, sim, para o enigma


Da flor: outra orquídea






Ou esta vontade alquímica


Que faz de uma vida a vida



ONZE, A FORÇA






E o belo apodrece e engasta


Até emergir noutra face






Os frutos da força bruta


Esparramados pelo vento






À beira do mar & bárbara


A túnica rubra − um cardume






À beira do mar − o Centauro


Ventríloquo do vento − O vento






À beira do mar − o homem


Entre a rede & a gaivota






Aprisionados pelo âmbar


O que empedra − empedra


Em torno da água & do Sol






E a Força − um redemoinho


Até alagar outra face










ACENO


as gaivotas são pedaços de lenço sujo, roberta ferraz






e o marulho fende a memória


na concha das mãos


estátuas de sal


no suor friíssimo:


escamas de peixe


medeias em fuga


cabelos vivos


no côncavo dos séculos


(a música)


de águas-medusa


guelras


ou ábaco líquido


(a mística do cálculo)


em ondas, em orlas


linhas tortas inúteis


onde o livro-transparência


arde


até os rins.













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