quarta-feira, 29 de outubro de 2014


Imagem da fotógrafa Emily Stein que integra o Project Bubblegum,
no qual ela registra crianças e seus chicletes. 


Por Manoel Herzog

A questão é bíblica, é verdadeiramente escritural. No início, lá nos tenros anos da minha infância, de calças curtas e sapatinho de verniz, era o sabor adâmico, hortelã ou tutti-frutti. Tal e qual na Bíblia, que inicia  em Adão e termina no Apocalipse com os chineses sambando sobre o leito seco do Tigre e do Eufrates, o gosto final era de China. Início e fim da jornada humana pela História do chiclete, de Adam’s a Ping-Pong. Não olvidemos, contudo, cinquentões e quarentões conservadores, que houve um laivo de esperança no meio do caminho, e não uma pedra quando, por volta dos anos 80, quedava o Muro de Berlim e surgia na Terra o insofismável chiclete Babalu, ou Bubbaloo, como prefiram os colonizados.

A noite de amor foi longa, e foi linda e foi bela, pela manhã aquele bafo compartilhado, por mais delicioso que o amor o possa tornar, não se deixa de amenizar pelo uso discreto de uma balinha ou um chiclete, que é pro beijo ficar mais doce. Saquei pra meu amor, relíquia das relíquias, um Babalu que trazia no bolso, pegado de troco num bar da vida, na vida bandida, até rimou. Atônito foi que ouvi de sua linda boca, que tantas doçuras profere, O Babalu está em decadência. Pasmo foi que me dei conta, já não é mais o bom e velho Babalu.

Quando fui apresentado ao seus sabores não era nenhum menino. Antes, foram meus filhos que conheceram chiclete e toda a sucrologia gastronômica industrial via Babalu. Mas, velha formiga, bem que curti aquela novidade, trazia um liquidozinho que habitava o quadrado de goma, estourava no final e inundava a boca da gente de alegria. Verdade que, paradoxalmente, lembrava uma espinha sendo espremida,  quem não curte lá sua escatologia? Ou não é fato que resulta prazer do beijar de nossas bocas sazonadas pela manhã de ressaca, mesmo sem um Babalu a dourar a pílula?

Quanto de pós-humano e metassexual pode haver no saborear, mulheres e homens, o jorro escandaloso da cápsula de doçura, o liquidozinho gosmento que o Babalu traz insculpido em suas entranhas. Confesso que fico um tanto constrangido por trazer isto assim à tona mas, tudo pela ciência, nossa investigação há de colher bons frutos. Foi o doutor Sigmund quem se saiu com essa, lá de Viena, que o chiclete é um prolongamento das teta-de-mainha, uma questão edipiana mal resolvida que o adulto massacrado pela sociedade de consumo quer resgatar tendo a sossegar sua boquinha sequiosa as doçuras de um chicletinho. Ora, a tudo que se ponha na boca o velho psiquiatra atribui essa qualidade. Também foi assim com o cigarro.

De minha parte, froidiano de carteirinha e não tendo ninguém, nem Lacan nem Jung nem nada, suplantado o que professor Sigmund falou, arrisco uma simples derivação. Claro, cigarro e chiclete são mesmo prolongamento do seio de mainha etc. Questão sedimentada. Tanto quanto o dedo que o bebê já chupa desde o útero, antes de conhecer peito, destaco este antes-de-conhecer-peito. Daí resulta uma questão, se o ser humano não é por natureza um chupador, antes de sê-lo por consequência do esquema maternidade-filiação. A se considerar esta hipótese, a dupla cigarro/chiclete merece sim ser investigada d’outro prisma, ah, se merece.

Teria o ser humano a vocação inata de chupar? Não é pela boca que a gente conhece o mundo prima facie? Deixo estas questões de altíssima indagação em aberto, quem lê que as desvende pra si, abstraídos preconceitos e medos. O que posso dizer é que, se há de fato no chiclete muito de peito, quanto de falo não há no cigarro. Calmai-vos, fumantes, em especial fumantes heterossexuais do sexo masculino, não vejo em vós a escamoteada compulsão a abocanhar uma chapeleta, absolutamente. Talvez o velho dedinho, desde o útero materno. Coisas na boca soem acalmar corações aflitos.

Como nossa investigação se prende às questões chicleteanas, temos que no introito o comparativo cigarro/benga tem por único escopo conduzir nosso pensamento ao postulado, inequívoco, de que há também, e d’outra quadra, um binômio chiclete/peito. Nisso reside a absoluta revolução que causou o advento do Bubbaloo, um peito com leite, um peito recheado com verdadeiro doce deleite, que nos alimenta e acalanta e acalma e tudo o mais.

Historicamente, superadas as questões bíblicas, no auge da humana evolução foi que surgiu o Babalu, quando conseguimos por fim suplantar a praga, a perigosa praga do comunismo que ameaçava o futuro da Humanidade, a jornada de nossa espécie sobre a Terra. Caía o Muro berlinesco, a Alemanha Oriental podia finalmente comprar, consumir, ser feliz do lado de cá. Tava tudo dominado.

Tristes não seríamos nós, galera minha, se pra todo mal não houvesse fim, da mesma forma que não há bem que sempre dure. Na trágica primeira década do século XXI, no ano de 2008, me cai a ilusão do lado de cá, tal e qual caído restava o velho muro. Me cai a Bolsa de Nova Iorque, igual em 29, e tem-se que recorrer, pobres capitalistas, humilhação suprema, à porra do Estado, pra socorrer os bancos, confessando o Mercado que a adoção do dogma comunista era a única saída, Lorde Keynes que tava certo.

Portanto, a finalidade deste estudo é demonstrar, ponto a ponto, que a decadência do Babalu, a secura que vitimou e esgotou o doce recheio, a gosminha redentora, aquela porrinha melequenta que saía do chiclete, possui raízes muito anteriores a isso que tentam convenientemente propagar, tem correspondência no sórdido golpe que os comunistas urdiram contra a sociedade, derrubando a bolsa e as torres gêmeas, corja amaldiçoada. Foi por isso que o Babalu secou. Acreditem, não vão na onda desse povo petralha e safado que ora domina a nação e quer atribuir o desastre do ressecamento chicleteano à falta de água no Estado de São Paulo, à seca da Cantareira, à boa-fé do povo tucano etc. Tudo golpe.

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