Por Gigio Ferreira
Ainda garoto experimentei a esperança brincando com as velhas fotografias dessa saliente cidade.
E na primeira vez que conheci o lendário prédio Manoel Pinto da Silva, havia uma chuva sonsa despejando grossas gotas sobre as copas frondosas das mangueiras, quando me aproximei do parapeito as mãos suavam, afinal muitos suicidas voaram dali, nesse gesto extremado de por um ponto final na própria vida.
Mas ao abrir os fluxos à contemplação a lenda urbana foi se transformando em respostas bem sucedidas que mesmo a ficção mais distraída não poderia prever os sintomas em sua poesia fertilizando aves e frases, odores fortes de rios e no alto daquele arranha-céu a paisagem humana apenas uma tonalidade do característico mormaço.
Olhei com firmeza aquele intervalo insulado que sempre mergulha a cabeça da Baia do Guajará em seus fins de tarde, na cor viva tilintando nessas frutas topográficas, metade da memória é pura curva fazendo malabarismos com a oratória, outras vezes é o cheiro arremessando mangas onde velhos bondes trafegavam etiquetas importadas, talvez, sem os ruídos das embarcações no silêncio incrustado e o ar geladinho quando se percorre um pedaço ainda intacto da flora Amazônica em pleno túnel arborizado.
Mais adiante em todos aqueles redemoinhos e algazarras de urubus a fartura colorida pavimenta a exuberância daquele mercado de ferro chamado Ver o Peso...acorda cedo mas ao meio dia com sua boca cheia de saliva no amarelo Tucupi ou Maniva sendo cozida que sempre penso que talvez um dia o transformem em museu por ser o único que soube como ninguém guarnecer os poderes de sua infinita alegoria.
Quando resolvi descer o fiz pela escadaria colossal e a cada degrau superado... envelhecia.
E agora o homem não perdia sua fração de tempo vendo a multidão falando o que não entendia, sobre o asfalto quente as rosas se abriam em papéis picados o segundo domingo do décimo mês do ano. A cada passo curto, fogos de artifícios, alguém sem ar desmaia, a roupa nova, a lágrima e o sorriso, sapatos se perdendo nas esquinas, balões coloridos com borboletas de miriti anunciando a festa do sol para os pés descalços ; os olhos também chovem porque agradecem, então que molhem os lábios respirando mutuamente na cura de uma vela acesa, uma perna de cera ou até mesmo uma casinha de madeira sobre a cabeça, na distância um chapéu sagrado; entre barcos e canoas indígenas, o Natal chega assim na Amazônia!
Não se deve comparar as graças da Metrópole com os sonhos plácidos do seu igarapé. A linha reta é simbolicamente esticada e bem dobrada.
Após o lauto almoço quis ver o vento lembrar das coisas que disse sem pensar. Resolvi cansar metade das flores escalando o espigão de vinte e cinco andares e ao passar pelo Instituto de Educação, vi meus cabelos brancos olhando para os olhos arregalados , sabia que estava subindo e quando assim mirasse o mítico , eu colocaria em dúvida o definitivo de tintas e cinzas!
As mangueiras estavam sufocadas e os rios canalizados... ao costurar ângulos Belém abre nas cartas de amor lidas numa rede ribeirinha seu humor de feira e farinha. Vieram muitas histórias e os verdes maracás limparam as mágoas dos versos antigos ...inverno após inverno... a aldeia manifestando sua música nesse verniz suave que parece descer de todos os sentidos que flutuam no lugar onde se é muito feliz.
Com ternura coloquei diversas araras em todas as reticências ...e as reticências são vírgulas do pensamento profundo e como é bom vê-las narrando o que é versado contra o que dizia caindo na tentação ao denunciar o tédio bem antes que a utilidade fizesse seus ataques em áreas emotivas do meu cérebro.
O que torna uma geração diferente da outra é o que ela faz quando sente saudades...como inicia suas jornadas convertendo em mais libido sua intensa liberdade ... como ela geme no texto assustado ...como ela pergunta pelos animais em sua madrugada... como é a natureza idílica dos seus vendavais ...como é a solidão da sua sorte nortista em seu espírito limpo selvagem .. como ela improvisa a orla como ninho de beleza para as palavras...como ela conduz a voz tropical do seu índio fantástico ....como ela guarda seus ossos e suas cascas...como alimenta o prestígio de suas máquinas propagando em seu remédio a loucura da ninfa senhora nas sementes da Jussara ...a cidade coloca na percepção todos os contrastes como se fossem calendários inundando os movimentos de alívio ao abrir todas as janelas para essa cabocla em seus líricos quatrocentos anos de idade.
POESIA
Em
volta
da
fogueira
há
uma
lenda
protegendo
o
amor
das
labaredas...
Quando alcancei os segredos
provando
tua
língua
Vi índias nuas sobrevoando o suor da tua boca
estava frio lá fora ...
E
creio
que os nossos filhos assim nasceram
nesse
instante
em
que
o
FIRMAMENTO
se ajoelha
diante
da
AURORA...
Minibio
Gigio Ferreira, nasceu em 22 de junho de 1967 em Belém do Pará. Participou do Projeto Cultural Poetas Paraenses - Versos no Ar, da Rádio Cultura do Pará - FUNTELPA (2005-06). Prefaciou os livros de Poesia Infância Retorcida(2013), de Airton Souza, pela Editora Giostri; Titulado Amor (2014), de Marcos Samuel Costa, pela Editora Literacidade; e Águas Escuras (2015), de Joelthon Ribeiro, pela Editora Penalux.
Colaborou com a Revista Digital PI2 (2012-13), organizada pelo poeta e editor Luíz Carlos Barata Cichetto; participou da 2ª edição on line da Antologia Vinagre: uma antologia de poetas neo-barrocos, publicação organizada pelo poeta Fabiano Calixto, quando dos protestos pelo Passe Livre em São Paulo, em junho de 2013. Estreou com o livro de dramaturgia infanto-juvenil O Gringo da Matinta (2014), pela Editora Giostri, em parceria com a escritora Miriam Hanna Daher.
Na XIX edição da Feira Pan-Amazônica do Livro de Belém, este ano, lançou o livro de contos Chibé de Cobra & Multicabaré pela Editora Giostri. Estão no prelo os livros O Palhaço de Arame Farpado, poesia, pela editora Penalux, e o de contos Conversas com mulheres nuas, pela Giostri.
Contato através do e-mail: Gigioferreir@hotmail.com
Esse é dos bons!
ResponderExcluir