quinta-feira, 13 de agosto de 2015


Separation - Edvard Munch

Por Gláuber Soares

Não esperava encontrá-la numa livraria. Após quase vinte anos sem nos ver. Saber que ela está a poucos metros de onde estou me deixa confuso. A última vez que nos falamos foi na faculdade, no final da colação de grau. Após vivermos muitas aventuras, brigamos no início do último ano. Ela era muito apaixonada por mim. Queria viver uma love story. E eu, um jovem inquieto, só queria sexo, curtição, não retribuí o quanto seu coração romântico desejava. Na sala de aula ficamos distantes. Nem o TCC fizemos mais juntos. Permanecemos sem nos falar até a colação de grau. Ainda lembro, depois da cerimônia, ela vindo me cumprimentar. O abraço. Troca de gentilezas, de desejos de sucesso. Agora, quase vinte anos depois, estamos outra vez próximos. Apenas duas estantes nos separam. Ao contrário dos poucos cabelos que me restaram, os seus continuam lindos e pretos. Também ao contrário de mim, ela quase não engordou. A reconheceria ainda que estivesse quilômetros de distância e de ponta-cabeça. Nos últimos anos a procurei pelo Google, nas redes sociais. Mas nunca encontrei foto, perfil. Tinha curiosidade de saber como ela ficou, no que deu. Agora vejo, com todas as cores, que o tempo a deixou melhor. Beee mmelhor! Foi o meu desejo que a trouxe a mim? Com certeza. O sobrenatural realmente existe. Ela vai em direção da seção de literatura brasileira. Qual livro procura? Agacha-se. Pegou um. Caramba! Olha só, é um livro meu. Pensei que estivesse fora de catálogo. Deixa eu me esconder melhor aqui. Não quero que ela me veja, ao menos por enquanto. A personagem principal deste livro é ela. Uma heroína alegre, sem amarras, que vive intensamente a vida. O mocinho tímido, claro, sou eu. Ela está com um sorriso no rosto. Deve ter se reconhecido. Naquelas páginas têm muito do que vivemos. Nunca imaginei presenciar isto. Seja lá quem me proporcionou: obrigado! Agradeço porque coincidência não existe. Vou lá? E o que escrevo no autógrafo? Preciso pensar em algo especial, depois de tantos anos… Quem sabe, agora mais maduros, possamos viver uma verdadeira love story.

– Senhor, por favor, me dá licença.
– Ah, sim, claro.
Ao me afastar da estante vou para o corredor. Ops. Ela me viu. Seus olhos verdes continuam luminosos. Nossos olhares se misturam. Assim como eu, parece congelada. Meu coração disparou. Tá difícil respirar. Esboço um sorriso. Aceno. Ela continua congelada. Preciso ir lá. Não consigo dar um passo. E o que eu digo? Será que vou conseguir falar? Calma. Não se preocupe. Basta abrir a boca. Isso, respire fundo. Nessas horas as palavras saem naturalmente. Lembre-se que ela sempre foi apaixonada por você. Quem ama não esquece. Vai logo, meu! Opa. Não acredito! Quem é esse cara que se aproxima dela? E os dois meninos que mostram seus livros? Antes de pegar os livros que os garotos trazem ela coloca o meu de volta à estante. Deixa no mesmo local em que estava. Sorri com entusiasmo, aprovando os livros das crianças. Aponta para a seção de auto-ajuda. Segue com eles sem olhar para trás. Morangos com creme de leite para sobremesa? O que eu vim mesmo comprar aqui?


Gláuber Soares nasceu em Itabuna, Bahia. Mora desde 1983 na cidade de São Paulo. Formou-se em Jornalismo. Em 2014, pela Terracota Editora lançou a coletânea de contos Remédio Forte. Participou de diversas antologias, entre as quais: Abigail (2011), Dos Medos o Menor (2012) e A Arte de Enganar o Google (2013) – todas pela Terracota.

1 comentários:

  1. Glaúber é um mestre, onde parece só caber melancolia, ela injeta ternura. Flashback rumo ao desencontro do presente!

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