sábado, 30 de julho de 2016

Isabel Allende (imagens extraídas do site oficial da escritora)


Por Keila Bis


Muito provavelmente Isabel Allende estava usando saltos altos no dia em que presenciou um assassinato quando visitava uma favela No Rio de Janeiro. Não os deixa nunca. Com apenas 1,50 m de altura já se sentiu muito desconfortável com a baixa estatura. Talvez um dos momentos mais constrangedores tenha sido nos Jogos Olímpicos de Inverno da Itália, em 2006. Convidada a representar a América Latina, durante o desfile seguiu – injustamente - atrás da alta e também de saltos longos Sophia Loren. Resultado: sua cabeça ficava debaixo da bendita bandeira que tinha que carregar e pouca gente soube quem era aquela representante “sem cabeça”.



Mas o mal estar não se compara à péssima experiência no Rio. Do outro lado da rua, a menos de dez metros, viu um homem se aproximar de outro que estava no ponto de ônibus e atirar sem piedade. Ainda mais depois de ter passado os dias anteriores com Jorge Amado (1912-2001), que lhe levou para assistir a uma cerimônia de candomblé, jogar búzios com uma mãe de santo e ter aprendido com a cozinheira do escritor receitas afrodisíacas que, mais tarde, incluiu no seu livro Afrodite: Contos, Receitas e outros Afrodisíacos.

Entre as 21 obras já lançadas, as mulheres são sempre as grandes estrelas dos livros de Isabel que, mais por superstição do que por disciplina, sempre começa a escrever um livro no dia 8 de janeiro. “Meus livros são principalmente sobre histórias de mulheres. Sou feminista desde que era uma jovem garota. Tenho trabalhado por elas e com elas sempre”, conta orgulhosa em entrevista por e-mail.

Segundo a escritora, que nasceu no Chile em 1942, ela cresceu em uma família e em uma sociedade machistas. “Quando ainda era uma jovem jornalista no Chile, trabalhei para revistas e jornais que abordavam a miséria feminina. Vi muitas mulheres com a violência estampada na cara”, relembra. Além disso, na infância presenciou as dificuldades que a mãe encontrou ao ser abandonada pelo pai quando Isabel ainda era criança – desde então nunca mais o viu. Para ela, ser mulher era “sinal de muita má sorte”.

Talvez esses sejam alguns dos motivos que a levaram a querer mudar o destino de meninas e adolescentes do Chile e de São Francisco, na Califórnia, onde mora com o segundo marido, o americano William Gordon com quem vive há quase 25 anos. “Em 1996, criei a Fundação Isabel Allende com o objetivo de ajudar essas meninas em situação de risco a terem mais amparo nas áreas de saúde, educação e proteção. Mas, na verdade, eu criei a Fundação para homenagear minha filha Paula após sua morte. Ela sempre me pedia para eu ganhar muito dinheiro com os meus livros para ela poder dar aos pobres. Era muito generosa”, explica. Paula morreu de uma doença rara chamada porfiria - infelizmente, Isabel convive com a sombra deste mal genético que também atingiu seu filho Nicolás e seus netos.

Quem comanda a Fundação é sua atual nora Lori Barra, segunda esposa de Nicolás que se divorciou da primeira mulher após ela contar que era lésbica - o curioso é que a primeira pessoa para a qual ela contou o fato foi justamente para a escritora e ex-sogra. “Isabel vê as pessoas com a melhor das intenções, nunca as julga e quer sempre ajudar”, diz Lori, também parceira de trabalho da escritora. No seu livro de memórias, A Soma dos Dias, Isabel revela uma passagem íntima familiar: “Uma vez comprei um carpete e, sem pedir licença a Lori ou a meu filho, coloquei-o na sala, depois de mudar todos os móveis de lugar. Uma outra vez comprei uns bonitos panos de cozinha, para substituir os trapos que eles usavam, e joguei fora os velhos, sem fazer a menor ideia de que haviam pertencido à avó da Lori, já falecida, e que elas os havia guardado durante vinte anos”.

O traço da personalidade intensa se mostra também na forma que encontrou para se inspirar na criação da sua trilogia infantil (A Cidade das Feras, O Reino do Dragão de Ouro, A Floresta dos Pigmeus) que escreveu em homenagem aos netos. “Tomei um chá de ervas, o mesmo usado pelos índios da Amazônia. Recuperei-me dos efeitos da droga somente três dias depois quando tive a certeza de que somos espíritos.”

Desde a época da ditadura no Chile, liderada pelo primo de seu pai, Salvador Allende, ela própria já escondia os fugitivos políticos em sua casa. E depois, por ser jornalista e “saber demais”, como ela diz, precisou se exilar na Venezuela com o primeiro marido e lá viveu durante 10 anos - desde então, nunca mais voltou a viver no Chile. Na Venezuela, enfrentou todos os tipos de dificuldades: o casamento não ia bem e logo se separou; não conseguia emprego; os dois filhos eram pequenos; não se adaptava à nova cultura; e estava longe da família que tanto amava.

Para matar as saudades começou a escrever cartas ao avô onde narrava as histórias que este lhe contava sobre os muitos integrantes da família. Após um ano de tantas cartas escritas o querido avô morre e Isabel se dá conta que tinha em mãos um livro, o seu primeiro romance, A Casa dos Espíritos. “Ele vendeu 12 milhões de cópias. Foi e ainda é um grande sucesso. Para mim, é um prazer imenso ser uma das primeiras pessoas a ler suas obras. Isabel é uma pessoa maravilhosa, muito humilde”, conta Cármen Bacells, sua agente literária, reconhecida mundialmente como uma das mais importantes no segmento. Em 1994, o diretor Bille August transformou a obra em filme, com o mesmo nome, que tem Meryl Streep como protagonista.

Hoje, quem visita Isabel na sua casa nova que mandou construir no alto de uma coluna é recepcionado por um letreiro na varanda que diz: A Casa dos Espíritos. Pois é, a escritora diz que desde os primeiros dias na nova casa já ouvia ruídos inexplicáveis e chegou até mesmo a ver duas crianças fantasmas no pé de sua cama. “Minha mãe quando me visitou disse que via os móveis se moverem.”



Com ou sem espíritos, Isabel Allende vive a partir de uma personalidade que conjuga com maestria a força feminina e masculina. “Sou forte, afirmativa, mandona, independente, dura algumas vezes, nunca depressiva, saudável, energética, generosa, impaciente, crítica, vaidosa, disciplinada, trabalhadora, boa mãe, boa filha, boa amiga, excelente avó, má dona de casa, uma cozinheira mediana e uma motorista horrível. Eu não sou muito sociável e sou muito apegada à minha família. Eu preciso de silêncio, de muito tempo sozinha, de chá, chocolate e de um cachorro."


0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.