quarta-feira, 12 de outubro de 2016

David Toscana (por Jaime Rivera)

DAVID TOSCANA


Por Germano Quaresma 


A estada de David Toscana em Santos, onde participou da 8ª edição da Tarrafa Literária, lançando seu Lontananza Bar, que tive a honra de traduzir, foi de momentos ótimos. O autor mexicano gostou muito de alguns slogans, por exemplo, o do Sedex-10, algo como "Mandou, chegou", e outro de um disque-qualquer-coisa, "pediu-recebeu". Com base nisto, com seu português que de alguma forma equivale ao meu espanhol, botou na dedicatória do exemplar: "Escriveu, traduceu".

Enquanto era noticiada a presença do autor em terras brasileiras, lá do Mato Grosso meu amigo Murilo Mendes, que já colaborou aqui na Pausa, me escreveu contando conhecer a obra de Toscana. E aqui reproduzo a resenha que este cronista do sertão, como Murilo se autointitula, escreveu para um dos livros do David, o ótimo O Exército Iluminado (Editora Parsifal).





COMODORO MORREU


Por Murilo Mendes


Comodoro morreu. O Gordo Comodoro, para ser mais específico. O Gordo Comodoro que não sabia ler, que não sabia casar uma pedra número três de dominó com outra pedra número três. E que, para se vingar das zombarias de que era vítima, roubou uma pedra e deixou os zombeteiros com apenas vinte e sete pedras, e nisso foi ainda mais humilhado, pois os zombeteiros, embora irritados por causa da pedra faltante, passado o momento da irritação, deram de ombros e se puseram a jogar assim mesmo, com um deles tendo nas mãos seis pedras, e os outros, claro, sete cada um. Mas a turma não perdia por esperar. A redenção do Gordo Comodoro veio no campo de batalha. Ele, afinal, foi o único que morreu naquela expedição quixotesca. O Exército Iluminado conta a história de uma tropa militar que sai de território mexicano com pretensões de invadir os Estados Unidos e recuperar o Texas para os domínios do México. O regimento é formado por Matus, o General, e cinco crianças (pré-adolescentes, talvez) que estudam em um instituto destinado a pessoas com deficiência de aprendizagem. Matus é um fundista (corredor) frustrado. Nunca pôde correr mano a mano com seu rival, Clarence. Mas Matus achou um jeito de competir mesmo assim. Por ocasião de uma maratona em Paris, Matus, não podendo estar presente porque ninguém lhe prestava atenção alguma, armou ele mesmo a sua corrida. Tão logo foi dada a partida em Paris, ele, no mesmo instante, se pôs a correr que nem doido pelas ruas de Monterrey. Seu assessor o acompanhava montado em um cavalo. Matus convence cinco alunos do Instituto a empreender a tarefa gloriosa de reparar a humilhação histórica que foi a subtração de parte do território mexicano. O regimento é formado por cinco crianças, sendo uma delas representante do gênero feminino na batalha: Azucena, a paixão do Gordo Comodoro. Em dado momento, o General Ignácio Matus sai para comprar mantimentos e, quando volta ao local em que estaria a carroça que os levava para o campo de batalha, não encontra mais seus soldados, que já tinham seguido adiante. O Comandante -corredor-fundista - sai a correr, mas só consegue encontrar os subordinados quando estes, já em território americano, acabam de matar um inimigo. Território americano em termos. O exército do General Matus errou a estrada e, em vez de ir parar nos Estados Unidos, ficou em território mexicano, e o inimigo que abateu era, nada mais nada menos, do que um compatriota! Claro que a inspiração é Dom Quixote. Mas David Toscana faz dessa expedição militar um retrato ao mesmo tempo debochado e melancólico. No livro estão os sonhos grandiosos e os resultados pífios. Um dos soldadinhos, Cerillo, é recomendado ao “General” por sua própria mãe, que quer vê-lo herói. Apresenta-se ao comandante com uma mochila repleta de itens de higiene pessoal e com duas cartas da mãe, uma delas com instruções a Matus sobre a hora em que seu filho dorme, sobre o que fazer em caso de tal indisposição e que cuidado ter se ele por acaso... No final, a polícia mexicana recolhe o bando de loucos, solta imediatamente os pequenos, interroga o General Matus e resolve não matá-lo, pois a situação em 1968 não era fácil no México e, em vista disso, seria uma burrice sem tamanho dar motivo para a construção de um mártir. 

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