Flávio Viegas Amoreira
“Eu te amo tanto! Te amo tanto que te misturo com o mar, não sei se você é você ou se o mar” |
Foto de Mariana Vassileva
Parecia ter vida nada perigosa; as palavras eram-lhe estrangeiras se não poesia; perdia noção importante dos fatos quando mudava um caminho, era um peregrino desses que pousam em choupanas solteiras de vizinhança.
Queria num descampado lançar uma flor ao Sol e ver Deus despentelhando: caíra num mundo de mal-me-quer: queria entrar prá dentro do seu oco, ter morada com mulher e um filho que não andasse longe da vista. Se não tem fim essa causa de andar, onde tivesse bom tempo seus ossos comporiam alma familiar ao canto de árvore. Tinha em falta uma razão de ser quieto, inconstante tanto sabia, deitava noites por uma frase: esculpia um arco sobressalente em Sagitário, punha venda nos olhos para voltar cansando, confundia braço com riacho: era incertidão matreira de proceder nas coisas. Qualquer sedento finge não ouvir direito.
Deu fim: “quero maior espelho!” pensava. rampa andar! sair daqui ligeiro! rampa voa dessa corja faladeira. dizer onde fora cairia assim meio mentira: meio, sempre tem um termo que ressoa, forja contornos: a verdade tem a sorte abolida. desfilava na cautela dum presságio: certamente a manhã não faz ouvidos e tenho eu mesmo lampejar destino. o que dito sozinho não se arrepende. Não tenho detalhes, terço-me: falta correção de uma voz que ouça escute sem espanto dizer o que entretenho: um olho de peixe / tela atachada de Klimt, o olho com barbatanas, uma arraia ofegante: o repetidor deparado na auto-estrada: tive de tomar um curso no asfalto, as vicinais me tiram da trilha. beiral uma velha fita e me corrige estranhezas: será de onde esse peste sem eira? rapaz fino no tratamento sem recato dessas paragens. Sorri no cumprimento, esgazeia. Acordara decidido alcançar a vista: esses interiores não distavam do repuxo: uns vinte quilometros abaixo era outro planeta na vegetação e relevo, vinte quilometros diferem interior da borda, o continente começa vinte quilometros prá diante longe: naquela faixa até o Mar é orla / estreito: Mar já não define diferença. nenhum rio desabalava dentro até as praias: os vales donde eu procedia eram amplidões de rios lá prá cima, repuxos do dia em que Mar maior encolhia. O meu remorso é o que me carrega: quero apagar um fogo que me conduz eu tenha andado assim por essa persistência: ganhar terreno embornal uns tratados de botânica e breve só versos pois as flores nos manguezais aí se misturam. Onde a terra amolece é duro achar distinção de caule pétalas: o vento é mais nítido que um tronco que se mistura aos predadores rasteiros.
Escrever palavras com pés de árvores que anunciem mais ainda o brilho da clareira: entre a costa e a ravina / uma sege esconde um riacho / lá me banho da luz que abrange indistinta o que seja lugar algum, outras plagas / aldeias recorte do Oceano: eternizar o olhar / custa-me divisar o que sinto e a significação do objeto para o tempo de dentro que não combina com resto que não seja antes e depois eu como esse vivente que rouba as horas como ladrão na noite para fartar-se ao dia. Tomei o prumo: tinha a obsessão mais estranha e ofegante: tornei-me apaixonado de Mar; – como um Cristo agonizante de El Greco olhava sofregamente a estrada: estava tentado pelo Mar: sentia ser meu corpo gozoza parte desse infinito onde me perderia mesmo depois de semear de alma uma onda em sua carne rosa e negra: o Mar era o espelho que tornava seu filho, seu amante: fui aproximando a medida que exalava maresia me tocando no cio dum espírito desento. Fui em sua direção como quem tantricamente estira a supremacia do orgasmo: é o Céu do orgasmo que buscara no Mar: não era já sexo com o Mar, era um acordo tácito preexistindo em minha existência: ele me acaricia em minha dissolvência: éramos pertencentes na exorbitância de nossa completude: eu um pederasta entregue a Netuno insaciável de sangue evadindo das profundezas carnívoras. não penso naquilo que vou descartando: entrego-me a acuidade da insanidade quando satisfeita: a loucura quando nos estertores rompe-se em dique: cristalina loucura de todas irremediáveis despedidas. Atrevo-me, lanço-me, vou escrevendo minha ira pelo continente: um farol já prenuncia minha querência.
Os olhos não caducam antes do etéreo repouso do encantamento. Sou o pensar de meu personagem: refestelado abro-me em cruz... meu pensamento era em páginas: o Mar seria cúmplice de meu testamento: incorpóreo tomaria o rumo dado por algas e esponjas: seria farejado por tubarões ávidos do miasma do anuncio breve que foi aquilo que chamara “minha vida”.
Minha nudez esperara tocar o âmago da verdade absoluta: o Eu dissolvido no todo das águas. Uma grota, uma ravina, um promontório, gávea, atol: ruminava que acidente marinho me acolheria: chuva de luz de estrelas abissais: a terra já me sufoca, quero o afagamento: todo diálogo que o Mar ecoa da gênese. Vou para meu reconhecimento supremo como quem identifica no cadafalso a compreensão suprema: norteamento de quem já desistiu de supor a vida “entendível”. serei um uivo na rebentação modulado pelo sonido de mergulhões e atobás em vôo rasante saudando minha forma de ser elemento que retine ejaculado pelo capricho das marés. Jogo lógico do desvario: os fatos não me tutelam mais.... a suscetibilidade factual rompeu-se num rochedo na barra côncava de nossa sinfonia de poemas soltos como membros dum corpo eviscerado de gomos do Destino: agora toco-me pelo não-fato que as esperas langorosa impõe. Angústia objetual evaporara-se: a razão que representa a criação de absurdidades consentidas como verossimilhança e realidades. Tomarei egonáutico fluxo de consciência: ela, a consciência vertida em êxtase marulhando em outros golfos de tormentas.
Articularei o real vagueando o possível do avesso. Terei a prosódia dos murmúrios como padrões vocálicos carregados na esteira dum cargueiro que segue em chamas ao encalhe inevitável num paradisíaco pacífico. Meu transe jogando-me ao Mar como quem é penetrado num coito alucinado já era anuncio duma intrepidez vã como um planeta suicida chocando-se na estrela que move sua rotação errática. Quem responde sempre manca de certezas: oferece dose e meia: o real é o branco suplicando por silêncio... vogar a vazante, eclusa por eclusa: jorrar-me: assim escapei do mundo para o azul que serei eu de azul por todo dentro... tal como estava antes, retorno-me a primeira fonte, tudo estava escrito na seiva donde amanheci para ser o que se desprende plácido: ganhei a solidão, isso quero-vos confessar, ganhei ela como quem viceja de ser todo por dentro carregando universos que não mais me delimitam em minha sozinhez... o mundo sai por trás das ventanas que se fecham; os edifícios cerram-se num lume displicente: estirado dispus toda minha dor, meu amor avultando da superfície: jazendo no Mar senti um orgasmo que se infnitiza: gozo até hoje quando sonho que uma onda bate em minhas costas dadivosas ao ventre do Oceano.. fiz por ser amado: tenho uma lágrima emocionado quando diviso na costa ele, o meu amante inerte mesmo sabedor de sua monstruosa beleza... apaixonado de Mar: minha libido é por ele, meu tesão é todo Oceano escandindo as tábuas da lei não decodificadas do Universo. Estou no Mar: ele me sodomiza vertendo palavras chave para um naufrago salvo de toda bruteza... Oceano, vem me envolver no teu aconchego ainda verde para meus membros túmidos...
0 comentários:
Postar um comentário
Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.