Com a postagem deste conto, a Revista Pausa passa a receber colaborações de Udo Baingo. Escritor radicado na Alemanha, ele mantém um site sobre suas experiências no país europeu e um blog com crônicas e ficções. Participa desde 2006 da Oficina de Escritores, junto de nomes da literatura fantástica brasileira atual. Também músico e compositor, é formado em Administração aplicada à Engenharia pela University of Applied Sciences de Jena, Alemanha. O autor mantém ainda uma Representação de Ilustradores e fotógrafos (www.udobaingo.com).
O amor irreverente
O mago saltou do metrô e saudou: "Olá, como vai? E John? Mande recordações a ele, sim?" A reação atônita da pequena Marjorie, a promessa de dar as lembranças, a porta do metrô fechando-se, este continuando sua rota: tudo isto aconteceu diante das reverências exageradas de Burdon, cartola na mão, as orelhas do coelho aparecendo.
Esse estranho, porque não dá o arremate? Ela se lembrava de quando foram a um pub beber vinho de maçã. Quando a terceira rodada de copos vinha no antebraço musculoso da garçonete, o coelho saltou da cartola de Burdon, ganhando os aplausos de todas as mesas e ninguém reparou em Burdon e Marjorie. No meio de sua embriaguez, estando os ruídos das mesas cheias e pesadas a cobrir as vozes, comentou a Marjorie, que procurava algo: "é importante..." Mas o mago não pôde contá-lo. Mais tarde um grupo de jovens alcoolizados seria visto saudando-se com reverências. A risada alegre de uma jovem que atendia pelo nome de Marjorie ecoaria pelas aléias e pátios marrons.
Outro dia estava ele numa padaria a tomar o desjejum. Vendo Marjorie passar, cumprimentou-a: "Olá? Onde vai? E John?" Depois de um momento ela diria não ser possível falar de John, pois ela não seria sua companheira, nem nunca havia sido. Burdon pediria desculpas e emudeceria. Não gostando de diálogos, sentiria vontade de deixar Marjorie. Enfim fugiu, sem nada dizer. Marjorie foi vista ao amanhecer atrás dele. Talvez apenas uma sombra matutina distante dele. Por entre pátios universitários e árvores grandes ela fazia jogatinas sobre qual direção ele pegaria e poemas em sua boca arpejavam em melodias douradas pelas sombras e nuâncias de dias de sol vividos em jardins ingleses.
Mas, de tanto brincar, numa esquina perdeu o amado. Lógico que era tarde quando, só, sentiu que o amava. O mago, invísivel, proclamou que viveria sempre à noite e que Marjorie fizesse magia neste estilo longe dele, que magia não combinava com amor. E que ademais amor só atrapalhava o artista que se prezasse. Ela já nem procuraria mais e ficaria no seu canto, a chorar: por fim de ofegante a sua respiração se tornou lenta, indiferente.
Assim o foi até o dia em que o coelho de Burdon decidiu intervir. Era dia de apresentação e o mago ficou perplexo, não achando nenhum coelho na cartola. Toda a magia lhe disse adeus e ele ouviu as queixas do público e logo depois viu a rua.
O coelho, no quarto de Marjorie, demorou a ser reconhecido, parecendo se esconder entre os bichos de pelúcia. Por fim, conseguiu chamar a atenção, mordiscando-a. Ele saiu pela janela e ela o seguiu pelas travessas e ruas de Soldempdon, dentro do metrô e ônibus, o povo a chamando louca-olhapor-onde-anda até quando chegou num bosque.
Era meio-dia e Marjorie avistou a Burdon. Numa clareira este lamentava o coelho quando a reconheceu. Ela se deitou e se arranjou sobre seu ombro. As suas mãos se tocaram e não apagaram a luz do sol.
Que conto lindo Udo! E que bom que foi publicado, mande-me mais. bj Elza
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