terça-feira, 20 de abril de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Provocou burburinho nesta semana no meio literário mundial a descoberta de uma foto desconhecida em que Arthur Rimbaud (1854-1891), poeta que antes da idade adulta já havia escrito obras-primas e que aos 21 já havia desistido de escrever e trocava a literatura por uma vida de aventuras que o levou até a vender armas na Abissínia, atual Etiópia.

Publicada pelo jornal Le Figaro em 15 de abril, a imagem revela um jovem de 20 anos, na entrada de um hotel na cidade de Aden, acompanhado por outras pessoas. O jornal francês considera o aparecimento da foto uma "descoberta maravilhosa".


Rimbaud é o segundo à direita, o de menor bigode

Aproveito a ocasião para apresentar o que escreveram sobre Rimbaud ou sobre suas foto três escritores contemporâneos (dois daqui de Santos e um de Cubatão) sobre os quais já escrevi alguma coisa.

Na sexta-feira, 16, Marcelo Ariel, em seu blog Cancelando o Teatro Fantasma, escreveu:

o que vemos nesta foto recém descoberta de Rimbaud é um olhar muito parecido com os olhares de Marcel Proust e de Thomas Pynchon, Rimbaud talvez tenha se sentido enojado com a mistificação da figura do escritor, hoje ele é um dos ícones dessa mistificação, em vida foi uma espécie de hierofante do mundo das visões, coisa que não pode ser confundida com os atuais profetas laicos do mundo das imagens, as visões, principalmente as visões epifânicas, as visões interiores, estão no mundo ontologizado e são a gênese dos mitos (não da mistificação) e o mundo das imagens, está em um Atopos misturado a uma espécie de lixão metafísico da vida cotidiana, nas visões existem profundas estruturas de conhecimento que podemos chamar de poético e profético ao mesmo tempo e nas imagens existe apenas a possibilidade de comunicação,as imagens são a anima da internet e as visões formam (como sonhavam os gregos) a alma onírica do mundo. Existe uma opacidade delicada no olhar de Rimbaud, nesta foto, típica dos lords ingleses do período da colonização da Índia, estamos no terreno da subjetividade e esse olhar poderia pertencer a um garçon de um restaurante da avenida paulista ou a um dervixe. Talvez Rimbaud tenha tentado a fusão impossível entre a vida prática, seu Hotel das imagens e sua neutralidade veloz e a transcendência atemporal do mundo das visões místicas.

No dia seguinte, Flávio Viegas Amoreira fez o seguinte comentário no Facebook:

Esta foto ontem correu o mundo... e tocou o mundo que conta: poético, sensível... deveria ser manchete de todos matutinos, telejornais... uma foto de Deus! Rimbaud em Aden em 1880... mais belo que esse Verlaine dos trópicos poderia intuir... toda honra e toda glória a Arthur Rimbaud... eu que te busco ainda nas ruas de Sampa e pelos caminhos do mar....

Para encerrar, um trecho de O, poema de Alberto Martins publicado no livro Cais, de 2002:

No fundo, é compreensível
que uns se percam no mar

outros na Abissínia,
de puro sol e argila

Viver nas dunas porém
cedo ou tarde intoxica

e o mundo é só areia
areia a perder de vista

Rimbaud no deserto
ruminando sem saída:

onde inicia o poema?
onde termina?

se tudo em volta é poeira
poeira e um pouco de argila

Mais cartas a Rimbaud na semana que vem.

Referência:
Alberto Martins. Cais. São Paulo: Editora 34, 2002.


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