terça-feira, 19 de outubro de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

A brancura da baleia Moby Dick, assim como a cegueira branca do romance de José Saramago, comporta a metáfora da imensidão, o outro nome da morte. O próprio Herman Melville (1819-1891), no capítulo XLII de Moby Dick, A brancura da baleia, destaca outra imensidão branca, a dos picos nevados dos Andes do Peru:

Para o índio nativo do Peru a contínua visão dos Andes nevados não infunde temor, salvo talvez o mero fantasiar sobre a eterna desolação gelada que reina em tão vastas alturas, e a natural consideração do terrível que seria perder-se em tão inumana solidão.

O trecho acima está em epígrafe ao poema em prosa La blancura de la balena, de Óscar Limache (1958), poeta limenho. Ele retrabalha os elementos do capítulo homônimo de Moby Dick, que também se refere à Lima, dando nova cara à brancura metafórica da imensidão e da morte:

E não é somente a lembrança dos terremotos que derrubaram suas catedrais, nem os estampidos de seus mares descontrolados, nem a aridez de seus céus que nunca choram, nem a visão deste amplo panorama de torres inclinadas, cúpulas fundidas e cruzes desabadas (como os mastros inclinados de uma frota de fragatas fundeada no porto), nem as ruas de seus subúrbios onde os muros das casas se apóiam uns aos outros como um arruinado castelo de cartas; não são só estas coisas as que fazem de Lima, aquela sem lágrimas, a cidade mais estranha e triste que se pode contemplar. Acontece que Lima assumiu a máscara branca e há um horror ainda maior na brancura de sua angústia. Antiga como Pizarro, esta brancura conserva suas ruínas para sempre novas, não admite o amável verdor da total decadência, dispersa sobre suas muralhas rotas a rígida palidez de uma morte que paralisa suas próprias convulsões.

Em nota, Limache registra que há duas versões sobre a passagem de Melville por Lima. Uma de 1961, do professor Willard Thorp, da Universidade de Princeton, para quem Melville teria ficado em torno de 48 horas na cidade no início de 1844, como tripulante da fragata Estados Unidos. A mais recente, de 1989, é de Eduardo Núñez, que afirma no livro Viajes y viajeros extranjeros por el Peru que o autor de Moby Dick esteve em Lima e Callao (cidade portuária ao lado da capital) entre o final de 1843 até março do ano seguinte, voltando ainda por alguns dias em junho do mesmo ano. Versão mais apropriada para estes epítetos que a cidade ganhou do autor, na voz do narrador do romance:

Não precisa viajar! O mundo é uma Lima.

A mais estranha, a mais triste cidade que tu jamais pudeste ver.

Referência:
Óscar Limache. La blancura de la balena. In: Viaje a la lengua del porcoespín. 4ª edição. Lima, Peru: Linajes Editores, 2008. (1ª ed. 1989).

1 comentários:

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.