Por Marcelo Ariel
Uma ironia trágica que aponta para um vazio paradoxalmente alimentado pela energia da recusa, como em uma Akhmátova ainda bem jovem que viu todos os filmes de Godard e Buñuel. A imagética dos poemas de Camila Vardarac é precisa e melancólica, ela escreve como uma cineasta e talvez filme como uma poeta, se um dia vier a fazer filmes. Alguma coisa nos seus poemas, me lembra a atmosfera das canções de Elliot Smith, como minha intenção aqui, é esboçar um quadro impresionista e por isso mesmo limitado, da poesia contemporânea, como um bom crítico-diletante, me dou ao luxo de comparar e tentar iluminar um pouco através desse recurso tão pobre, peço aos meus 5 ou 11 leitores que me perdoem. Abaixo seleciono de alguns sites, alguns poemas de Camila Vardarac.
1.
O acrobata e a tentativa transcendental sobre a corda circular do tempo
Ecos o dia todo, palavras sem direção, como os braços de shiva, para atingir todos ou atingir ninguém. incômodo, como insetos no copo de leite, revestidos com a espessa nata do último lugar. olhos dentro do santuário, cujo portal é porta de vidro ofuscada pelo branco e lembra sempre que entre as entradas e saídas existe a palidez da incerteza e o risco tem a ver com percepção. dentro, tapetes empoeirados e nos cantos casacos que derretem todos os dias um pouco do bloco sólido de formol que envolve deus, que por sua vez não dança ao ritmo da fumaça om namah shivaya / om namah shivaya a alma inala prostrada diante da parede, formulando elipses para o alcance do nirvana meditacional, ainda que a posição lhe faça recordar castigo ou um cavalo de três patas a espera do sacrifício.
2.
I- retrocesso do ser é acreditar que tudo já foi visto, quando tudo está em constante movimento e a mutabilidade é o moinho.
II- imprimir formas fixas ao objeto é matar, naquele instante, o objeto. é romper seu elo com o mundo. mais do que um estado de animação suspensa, é um empalhamento.
III- um ato fotográfico (ou outra forma de representação) seria o último suspiro da reprodução, a última evolução, ainda que capturada com extrema semelhança.
IV- a lembrança do objeto inanimado seria mais palpável do que o próprio objeto em vida.
V- o que foi confunde-se com o que agora é. real e imaginário.
3.
na casa ao lado
espiritos inquietos sobem e descem escadas
como se o melhor a fazer fosse
subir e descer escadas
são 3:47
o sono das 3:00 já foi perdido
agora no ponto dos conscientes
espero a dormência dos sentidos
calem esses passos
como calaram as almas dentro da casa escura
amarrem esses pés
como fizeram com as vozes na gaiola da mordaça
tirem seus valiuns das gavetas
e entrem nas sombras dos cobertores
morfeu, acuda esta gente!
dardos com soníferos no centro das testas
areia movediça ao redor das camas
e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos.
espiritos inquietos sobem e descem escadas
como se o melhor a fazer fosse
subir e descer escadas
são 3:47
o sono das 3:00 já foi perdido
agora no ponto dos conscientes
espero a dormência dos sentidos
calem esses passos
como calaram as almas dentro da casa escura
amarrem esses pés
como fizeram com as vozes na gaiola da mordaça
tirem seus valiuns das gavetas
e entrem nas sombras dos cobertores
morfeu, acuda esta gente!
dardos com soníferos no centro das testas
areia movediça ao redor das camas
e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos.
4.
eu não acredito na bondade dos anjos
todos parecem bebês de rosemary
o colorido dos vitrais não ameniza
a melancolia assustadora estampada em seus semblantes
no centro da casa
sagrada
o homem abre o livro
sagrado
e recita para si palavras pesadas
como o som de mil crucifixos arremessados ao chão
e eu penso nos pecados mais bizarros
que rondam o confessionário de vozes alteradas
depois aliviadas,
por depositarem nos ombros do representante do pai
a culpa dos seus atos impensados ou dolorosamente calculados
penso nos joelhos esfolados
por baixo das calças poídas dos fiéis fervorosos
que não sentem o gosto de ferro na boca
nem o gosto do sangue no cálice
e os sinos badalam doze vezes pausadas
ensurdecendo meus sonhos sacros
fazendo-me abrir todas as noites os olhos
quando deveriam estar fechados.
todos parecem bebês de rosemary
o colorido dos vitrais não ameniza
a melancolia assustadora estampada em seus semblantes
no centro da casa
sagrada
o homem abre o livro
sagrado
e recita para si palavras pesadas
como o som de mil crucifixos arremessados ao chão
e eu penso nos pecados mais bizarros
que rondam o confessionário de vozes alteradas
depois aliviadas,
por depositarem nos ombros do representante do pai
a culpa dos seus atos impensados ou dolorosamente calculados
penso nos joelhos esfolados
por baixo das calças poídas dos fiéis fervorosos
que não sentem o gosto de ferro na boca
nem o gosto do sangue no cálice
e os sinos badalam doze vezes pausadas
ensurdecendo meus sonhos sacros
fazendo-me abrir todas as noites os olhos
quando deveriam estar fechados.
5.
A noite não adestra insetos, nem converte alvoradas
O homem que parecia Lenin (sem as roupas da revolução) caiu no saloon, como um cowboy que escorrega no líquido das suas humilhações após tomar um tiro de vodka na garganta.
A vida é faroeste, leste, norte, sul e no centro o homem tombado, entre dois retratos matadores, pensando como levantaria sem parecer fraco e patético ou pensando em qualquer coisa aleatória, porque esperar raciocínio coerente de um homem que está agarrado ao chão como se fizesse parte dele, é exigir demais.
E então, de dentro dos retratos eles sacaram as armas, enquanto Pancho ajeitava o chapéu, Zapata precipitou-se em apertar o gatilho na direção da criatura estendida, porque é melhor morrer de pé do que viver de joelhos e aqueles joelhos já estavam entregues.
6.
Sem título
Dois seres pálidos apagam suas sombras ao abandonarem as réstias de luz, seguem fracos e rastejantes como moribundos esperançosos na direção da escuridão plena, porque só no mais puro breu nasce a semente vital que alimenta os seus espíritos, semente que abre as cortinas da alma, fechadas durante a temporada do sol.
Dos habitantes diurnos só querem o sangue contaminado que corre pelos corpos debilitados, aliás, esses seres obscuros valorizam muito mais o sangue por não possuí-lo naturalmente, é preciso consegui-lo a partir dos homicídios (nem sempre premeditados), assaltos a hospitais ou contribuições dos suicidas, que estão cada vez mais raras visto que esses kamikazes de hoje só querem mesmo morrer sem dor, uma morte calada num cômodo de apartamento impenetrável.
Antigamente, corria nas veias um sangue mais limpo, regido ainda por algumas ordens naturais, sem tanta química corrosiva. Antigamente, sangue era néctar e quem quisesse morrer o fazia com honra e tiro e foice, às vezes corda e o desespero avisava aos seres da noite que o banquete estava servido, agora morre-se por pílulas, analgésicos e calmantes em excesso e nenhum alarme soa aos ouvidos dos sedentos noturnos… o fim também está próximo para eles, por mais que saiam das tocas lacradas assim que o sol se põe, na cansativa busca pela vida carregada de contagem regressiva.
O fim se aproxima e o dia é apenas o prelúdio.
7.
Pedindo leite ao Cristo morto
Noite dos anônimos que escrevem cartas para destinatários inespecíficos. Tática do livre abandono - improvisação das palavras, imprevisibilidade dos rumos, linhas inacabadas em minhas mãos, sinais do destino que posso burlar quando a voz radiofônica disser a hora exata do disparo ou do salto ou do corte mais profundo do que a pergunta, as respostas foram desmembradas pelos filósofos que suavam os papéis em branco e acordavam de madrugada pedindo leite ao Cristo morto. Insaciáveis e desesperados todos os que percorrem os caminhos do saber, onde os espelhos projetam as saídas, as portas abrem para dentro.
8.
As bocas que o silêncio move
Quem caminha sozinho
aprende a língua impronunciável
pacto entre o eu e suas variantes
inúmeras, as bocas que o silêncio move.
9.
Quando ressus- citas o poeta morto
cotovelos sobre cacos de vidro retém as palavras enquanto o sangue foge, desenho as letras do seu nome dentro do coração transformado em origami de caveira. sim, a lucidez é tão impossível quanto o silêncio e paixão sem êxtase ou morte é como estar entre os vivos num enterro: a neutralidade - existe quando ressus-citas o poeta morto para assassinar o que em ti nasce sem permissão
10.
Tivesse ido com o passaredo
Falo do esquecimento porque a eternidade é uma casa vazia e não me apetece habitá-la. por muito tempo meus dias foram infinitos até que, acompanhando com os olhos o trajeto dos pássaros, ouvi um disparo ao fundo, um disparate do destino do outro lado da parede, alguém morreu e achei tão fascinante que não consegui escrever sobre isso sem morrer também. antes tivesse ido com o passaredo, passaria menos mal, embora o céu mais próximo. minha condição é tão humana quanto meus pés no chão, terrível, nas subdivisões do cérebro meus pensamentos criam esquemas ilícitos, de fuga
11.
O pássaro abstrato
Tem um olho em cada asa, o estômago colado às costas e nos pulmões bicos abertos que entoam a fome. essa fome não é exata, por isso, insaciável. qualquer tentativa de entender a sua causa - é inútil - o real manifestar-se contra a vociferação do intangível com duas mãos significantes, entre os dez dedos facilmente escapa o obscuro eco.
12.
O silêncio é a recusa
a loucura
é o confronto
de todas as vozes
o silêncio
é a recusa
que mais desafia
a luz momentânea
do que se anula
é o que vive
enquanto o excesso
é a explícita noite
que tudo apaga.
6.
Sem título
Dois seres pálidos apagam suas sombras ao abandonarem as réstias de luz, seguem fracos e rastejantes como moribundos esperançosos na direção da escuridão plena, porque só no mais puro breu nasce a semente vital que alimenta os seus espíritos, semente que abre as cortinas da alma, fechadas durante a temporada do sol.
Dos habitantes diurnos só querem o sangue contaminado que corre pelos corpos debilitados, aliás, esses seres obscuros valorizam muito mais o sangue por não possuí-lo naturalmente, é preciso consegui-lo a partir dos homicídios (nem sempre premeditados), assaltos a hospitais ou contribuições dos suicidas, que estão cada vez mais raras visto que esses kamikazes de hoje só querem mesmo morrer sem dor, uma morte calada num cômodo de apartamento impenetrável.
Antigamente, corria nas veias um sangue mais limpo, regido ainda por algumas ordens naturais, sem tanta química corrosiva. Antigamente, sangue era néctar e quem quisesse morrer o fazia com honra e tiro e foice, às vezes corda e o desespero avisava aos seres da noite que o banquete estava servido, agora morre-se por pílulas, analgésicos e calmantes em excesso e nenhum alarme soa aos ouvidos dos sedentos noturnos… o fim também está próximo para eles, por mais que saiam das tocas lacradas assim que o sol se põe, na cansativa busca pela vida carregada de contagem regressiva.
O fim se aproxima e o dia é apenas o prelúdio.
7.
Pedindo leite ao Cristo morto
Noite dos anônimos que escrevem cartas para destinatários inespecíficos. Tática do livre abandono - improvisação das palavras, imprevisibilidade dos rumos, linhas inacabadas em minhas mãos, sinais do destino que posso burlar quando a voz radiofônica disser a hora exata do disparo ou do salto ou do corte mais profundo do que a pergunta, as respostas foram desmembradas pelos filósofos que suavam os papéis em branco e acordavam de madrugada pedindo leite ao Cristo morto. Insaciáveis e desesperados todos os que percorrem os caminhos do saber, onde os espelhos projetam as saídas, as portas abrem para dentro.
8.
As bocas que o silêncio move
Quem caminha sozinho
aprende a língua impronunciável
pacto entre o eu e suas variantes
inúmeras, as bocas que o silêncio move.
9.
Quando ressus- citas o poeta morto
cotovelos sobre cacos de vidro retém as palavras enquanto o sangue foge, desenho as letras do seu nome dentro do coração transformado em origami de caveira. sim, a lucidez é tão impossível quanto o silêncio e paixão sem êxtase ou morte é como estar entre os vivos num enterro: a neutralidade - existe quando ressus-citas o poeta morto para assassinar o que em ti nasce sem permissão
10.
Tivesse ido com o passaredo
Falo do esquecimento porque a eternidade é uma casa vazia e não me apetece habitá-la. por muito tempo meus dias foram infinitos até que, acompanhando com os olhos o trajeto dos pássaros, ouvi um disparo ao fundo, um disparate do destino do outro lado da parede, alguém morreu e achei tão fascinante que não consegui escrever sobre isso sem morrer também. antes tivesse ido com o passaredo, passaria menos mal, embora o céu mais próximo. minha condição é tão humana quanto meus pés no chão, terrível, nas subdivisões do cérebro meus pensamentos criam esquemas ilícitos, de fuga
11.
O pássaro abstrato
Tem um olho em cada asa, o estômago colado às costas e nos pulmões bicos abertos que entoam a fome. essa fome não é exata, por isso, insaciável. qualquer tentativa de entender a sua causa - é inútil - o real manifestar-se contra a vociferação do intangível com duas mãos significantes, entre os dez dedos facilmente escapa o obscuro eco.
12.
O silêncio é a recusa
a loucura
é o confronto
de todas as vozes
o silêncio
é a recusa
que mais desafia
a luz momentânea
do que se anula
é o que vive
enquanto o excesso
é a explícita noite
que tudo apaga.
13.
Por mais que chova
chove e entendemos que é preciso transcender as três etapas da lógica, burlar a lucidez e rir diante de uma arma branca o pulso nos arremessa às cartas sanguíneas, escrevemos para lembrarmo-nos, para esquecermo-nos das nossas contradições, sabemos que existimos para inexistir e não podemos deixar de sentir toda a vida que se esvai entre os dedos parturientes da loucura, nada compreendemos porque nela moldamo-nos disformes entramos no labirinto, cegos e nus tateamos as nossas faces refletem, por mais que chova, somos iluminados e corajosos, somos raios capazes de abalar o globo com a impávida tormenta que nos impulsiona ao desconhecido dentro e fora de nós brindamos, não blindamos, somos generosos e impiedosamente sinceros por respeito à imperfeição, fortificamo-nos a partir da nossa fragilidade
Por mais que chova
chove e entendemos que é preciso transcender as três etapas da lógica, burlar a lucidez e rir diante de uma arma branca o pulso nos arremessa às cartas sanguíneas, escrevemos para lembrarmo-nos, para esquecermo-nos das nossas contradições, sabemos que existimos para inexistir e não podemos deixar de sentir toda a vida que se esvai entre os dedos parturientes da loucura, nada compreendemos porque nela moldamo-nos disformes entramos no labirinto, cegos e nus tateamos as nossas faces refletem, por mais que chova, somos iluminados e corajosos, somos raios capazes de abalar o globo com a impávida tormenta que nos impulsiona ao desconhecido dentro e fora de nós brindamos, não blindamos, somos generosos e impiedosamente sinceros por respeito à imperfeição, fortificamo-nos a partir da nossa fragilidade
(...) morfeu, acuda esta gente!
ResponderExcluirdardos com soníferos no centro das testas
areia movediça ao redor das camas
e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos.(...)
calem meus passos, abraxas & axé.
parabens pelo blog, é ótimo, os poemas são realmente belíssimos! fique à vontade para visitar meu blog, tem uma postagens de divulgação de poetas comtemporâneos
ResponderExcluirhttp://semioticaeminimalismo.blogspot.com/
Maravilhada com a descoberta que faço aqui!
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