terça-feira, 26 de outubro de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Foram os manifestos da Semana de Arte Moderna de 1922 e da Antropofagia de 1929 que deram o tom da vanguarda literária brasileira nos anos 20. No mesmo momento no Peru é um livro mesmo, explorado como objeto poético, que cristaliza o avanço vanguardista. Estou falando de 5 metros de poemas, de 1927, de Carlos Oquendo de Amat (1905-1936), um livro acordeão que se desdobra até atingir cinco metros, cheio de imagens e uma diagramação inovadora.

Oquendo tomou parte do mais expressivo grupo da vanguarda literária peruana, ao lado de César Vallejo, Martín Adán e César Moro. Nos 5 metros de poemas encontramos algumas imagens portuárias, como em Porto, escrito, assim como todo o livro, sob a influência dos movimentos ultraísta, que Jorge Luis Borges, por exemplo, levou da Espanha para a Argentina, e surrealista. A seguir, a primeira tradução do poema no Brasil.

Porto

O perfume virou uma árvore
e voam as cores
dos transatlânticos
        
                   No cais
                   de todos os lenços se fez uma flor

Vai cantando a música linear de um barco
e o calor pasta a lua

De uma taverna
um marinheiro
tira das garrafas filmes projetados da infância

Ele á agora Jack Brown que persegue o cowboy
e o assovio é um cavalo do Arizona.

UM SUSPIRO ATRÁS DA MONTANHA
E para que ria

a brisa traz
as cinco pétalas uma canção


Na imagem, é possível notar a diagramação inovadora

Outro achado é Antuérpia, poema que leva o nome da cidade portuária Belga.  Abaixo, a parte final do poema em que o porto é chamado de “envelope postal do mundo”. A diagramação, assim como em Porto, segue a da coletânea onde os poemas foram encontrados.

         Antuérpia

O  c a l o r  é  c o m o  u m  p e n s i o n i s t a

                   Antuérpia

         É A CIDADE LÍRICA             É A CIDADE ELÁSTICA

                            É a cidade sem distâncias
                            as ruas são suspensórios de borracha

As crianças no primário aprendem o problema da locali-
(zação
         e assim como por um chapéu
                                      (ato mecânico)
         basta esticar uma esquina
         para se sentir projetado da escola para a porta das
(docerias

Antuérpia

                                                        é um vinho de amizade
                                               é o envelope postal do mundo

         agora

         Os navios educados           e há saudações para América
         regressam a seus ninhos              nas fontes de água.

Encontrei os dois poemas na coletânea Vuelta a la otra margen (Volta à outra margem), editada em 1970, que, além de Oquendo, Moro e Adán, traz também poemas de Emilio Adolfo Westphalen, Jorge Eduardo Eielson e Leopoldo Chariarse. De acordo com os selecionadores Mirko Lauer e Abelardo Oquendo, o motivo da coletânea foi que naquele momento não se editavam mais esses poetas. E agora eles chegam aqui neste Porto Literário.

Pós escrito
Agradeço publicamente o poeta Óscar Limache, que me levou ao Paraíso dos Livros, reunião de bancas de livros usados no centro de Lima onde pude conseguir estas e outras jóias da literatura peruana, sem contar uma edição em espanhol de La Barcarola, de Pablo Neruda, com o poema Santos Revisitado, que até o momento só conhecia na tradução da editora LP&M.

Referência
Carlos Oquendo de Amat. Puerto e Amberes. In: Vuelta a la outra margen. Seleção de Mirko Lauer e Abelardo Oquendo. Lima, Peru: Casa de la Cultura, 1970.


1 comentários:

  1. "Paraíso dos Livros", adorei!
    Mais que uma viagem, uma pesquisa de campo! :)
    Seria legal se o livro fosse em forma de pergaminho...5 metros!

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