Alessandro Atanes, para a coluna Porto Literário do PortoGente
Hoje, Porto Literário trata de duas Novas Yorks peruanas.
Uma delas é de Carlos Oquendo de Amat (1905-1936), poeta de quem publiquei aqui a tradução dos poemas Porto e Antuérpia. Assim como esses dois, Nueva York foi publicado em 1927 em 5 metros de poemas, livro acordeão que se desdobra até atingir a medida que indica o título. Mais do que a tradução para o português, para se entender o poema basta olhá-lo. Espalhado por uma página dupla, ele mimetiza a grande cidade pela própria disposição dos versos.
A página é como se fosse um cenário de Nova York, tanto que para entendê-lo temos que percorrê-lo. Abaixo dos dois primeiros versos, temos a ilha de Coney Island e o centro financeiro Wall Street, outros versos usam a linguagem das manchetes jornalísticas (“Rodolfo Valentino faz crescer o cabelo”).
Por todo o espaço da página temos grupos de versos dispostos em arranjos diferentes. Temos letras normais e em itálico, palavras escritas somente com maiúsculas, outras estão dispostas na vertical e outras ainda contém espaços entre suas letras; há versos formados por sílabas e, como vemos no final (abaixo, à direita), há versos dispostos dentro de um retângulo como se fosse um anúncio (“Aluga-se esta manhã”).
Nestas duas páginas, Carlos Oquendo de Amat, assim como Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada, cumpre a promessa da poesia moderna de capturar a metrópole.
A outra Nova York peruana foi publicada em livro em 1989. Está em Viaje a la lengua del puercoespín, de Óscar Limache (1958). Entre os dois livros, o pós modernismo (ou hipermodernismo, como se tem falado ultimamente), no qual a literatura tem como principal referência a própria escrita e a linguagem, em um jogo de citações e referências que às vezes leva ao hermetismo, mas que costuma sugerir aos leitores uma série de caminhos e leituras cruzadas. Óscar Limache é deste segundo time.
Puercoespín, apelido carinhoso do livro, reflete este espírito e nos traz três poemas com o nome da cidade, todos formam uma Nova York imaginária (o poeta nunca esteve lá), assim como as cidades invisíveis de Italo Calvino, uma das epígrafes do livro (a tradução é da edição brasileira da Companhia das Letras):
Agora uma Nova York de Limache (tradução do Porto Literário):
Por isso que Nova York é imaginária. Lima, a cidade do poeta, que é a razão da viagem e do livro que, juntos, constituem a língua do porco-espinho, formada também por múltiplas epígrafes, nomes de cidades imaginárias que se tornam reais e de cidades reais que se enfumaçam na neblina da ficção.
Epílogo
Hoje um texto em português escrito no porto de Santos, costa brasileira, comenta dois poemas em espanhol latinoamericano de Lima, costa peruana do Oceano Pacífico. Os dois têm o mesmo nome, Nova York, na parte norte do continente, outro porto do Atlântico.
O triângulo formado pelas três cidades portuárias (a relação de Lima com o porto de Callao é simbiótica) reúne grande parte do continente americano e as três línguas europeias aqui faladas oficialmente (português-espanhol-inglês / duas – nuevas – yorks). O parágrafo que dá início à epígrafe de Calvino ao livro de Limache explica muito bem esta geografia literária: “Por esses portos eu não saberia traçar a rota nos mapas nem fixar a data de atracação”.
Pós escrito
Limache está na cidade esta semana. Escritor e professor em Lima, apresenta a conferência “Além do Nobel: Mario Vargas Llosa e um encontro com a literatura peruana” e lança em edição bilíngue seu livro Voo de identidade, com tradução deste colunista, um sobrevoo poético sobre as Linhas de Nasca, série de inscrições de dimensões gigantescas desenhadas no deserto peruano antes da Era Cristã. Com sua poesia, Limache venceu o principal prêmio literário de seu país, o Copé de Oro e, apaixonado por poesia brasileira, traduziu em 2009 Preparativos de viagem, de Mário Quintana. O encontro ocorre em duas ocasiões: amanhã (24), às 19h30, na Biblioteca Municipal de Cubatão, na Avenida Nove de Abril, 1977, Centro; e, na sexta-feira (26), às 19 horas, na Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos.
Pós escrito 2
Agradeço a Bruno Merlin, do PortoGente, pela montagem da página dupla com o poema Nueva York da mesma forma em que aparece em 5 metros de poemas.
Referências:
Carlos Oquendo de Amat. Nueva York. In: 5 metros de poemas. Edição fac símile. Lima (Peru): Universidad Ricardo Palma, 2007 (1ª edição 1927).
Oscar Limache. Nueva York. In: Viaje a la lengua del puercoespín. Tlalneplantla (México): Linajes, 2008 (1ª edição 1989).
Italo Calvino. As cidades invisíveis. Tradução Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
Hoje, Porto Literário trata de duas Novas Yorks peruanas.
Uma delas é de Carlos Oquendo de Amat (1905-1936), poeta de quem publiquei aqui a tradução dos poemas Porto e Antuérpia. Assim como esses dois, Nueva York foi publicado em 1927 em 5 metros de poemas, livro acordeão que se desdobra até atingir a medida que indica o título. Mais do que a tradução para o português, para se entender o poema basta olhá-lo. Espalhado por uma página dupla, ele mimetiza a grande cidade pela própria disposição dos versos.
Página dupla do livro 5 metros de poemas, com o poema Nueva York
(clique aqui para ver a imagem em tamanho ampliado)
(clique aqui para ver a imagem em tamanho ampliado)
A página é como se fosse um cenário de Nova York, tanto que para entendê-lo temos que percorrê-lo. Abaixo dos dois primeiros versos, temos a ilha de Coney Island e o centro financeiro Wall Street, outros versos usam a linguagem das manchetes jornalísticas (“Rodolfo Valentino faz crescer o cabelo”).
Por todo o espaço da página temos grupos de versos dispostos em arranjos diferentes. Temos letras normais e em itálico, palavras escritas somente com maiúsculas, outras estão dispostas na vertical e outras ainda contém espaços entre suas letras; há versos formados por sílabas e, como vemos no final (abaixo, à direita), há versos dispostos dentro de um retângulo como se fosse um anúncio (“Aluga-se esta manhã”).
Nestas duas páginas, Carlos Oquendo de Amat, assim como Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada, cumpre a promessa da poesia moderna de capturar a metrópole.
A outra Nova York peruana foi publicada em livro em 1989. Está em Viaje a la lengua del puercoespín, de Óscar Limache (1958). Entre os dois livros, o pós modernismo (ou hipermodernismo, como se tem falado ultimamente), no qual a literatura tem como principal referência a própria escrita e a linguagem, em um jogo de citações e referências que às vezes leva ao hermetismo, mas que costuma sugerir aos leitores uma série de caminhos e leituras cruzadas. Óscar Limache é deste segundo time.
Puercoespín, apelido carinhoso do livro, reflete este espírito e nos traz três poemas com o nome da cidade, todos formam uma Nova York imaginária (o poeta nunca esteve lá), assim como as cidades invisíveis de Italo Calvino, uma das epígrafes do livro (a tradução é da edição brasileira da Companhia das Letras):
Às vezes, basta-me uma partícula que se abre no meio de uma paisagem incongruente, um aflorar de nuvens na neblina, o diálogo de dois passantes que se encontram no vaivém, para pensar que partindo dali construirei pedaço por pedaço a cidade perfeita, feita de fragmentos misturados com o resto, de instantes separados por intervalos, de sinais que alguém envia e não sabe a quem capta.
Agora uma Nova York de Limache (tradução do Porto Literário):
Uns tiram a própria vida
eu caladamente subo em um barco
A cidade desliza abraçada pelo cais
desde suas origens
Seja qual for a direção que escolher
as ruas te levarão fatalmente até o mar
(Amanhã me acorde junto à alvorada Ismael
porque é Lima a razão de nossa viagem)
Por isso que Nova York é imaginária. Lima, a cidade do poeta, que é a razão da viagem e do livro que, juntos, constituem a língua do porco-espinho, formada também por múltiplas epígrafes, nomes de cidades imaginárias que se tornam reais e de cidades reais que se enfumaçam na neblina da ficção.
Epílogo
Hoje um texto em português escrito no porto de Santos, costa brasileira, comenta dois poemas em espanhol latinoamericano de Lima, costa peruana do Oceano Pacífico. Os dois têm o mesmo nome, Nova York, na parte norte do continente, outro porto do Atlântico.
O triângulo formado pelas três cidades portuárias (a relação de Lima com o porto de Callao é simbiótica) reúne grande parte do continente americano e as três línguas europeias aqui faladas oficialmente (português-espanhol-inglês / duas – nuevas – yorks). O parágrafo que dá início à epígrafe de Calvino ao livro de Limache explica muito bem esta geografia literária: “Por esses portos eu não saberia traçar a rota nos mapas nem fixar a data de atracação”.
Pós escrito
Limache está na cidade esta semana. Escritor e professor em Lima, apresenta a conferência “Além do Nobel: Mario Vargas Llosa e um encontro com a literatura peruana” e lança em edição bilíngue seu livro Voo de identidade, com tradução deste colunista, um sobrevoo poético sobre as Linhas de Nasca, série de inscrições de dimensões gigantescas desenhadas no deserto peruano antes da Era Cristã. Com sua poesia, Limache venceu o principal prêmio literário de seu país, o Copé de Oro e, apaixonado por poesia brasileira, traduziu em 2009 Preparativos de viagem, de Mário Quintana. O encontro ocorre em duas ocasiões: amanhã (24), às 19h30, na Biblioteca Municipal de Cubatão, na Avenida Nove de Abril, 1977, Centro; e, na sexta-feira (26), às 19 horas, na Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos.
Pós escrito 2
Agradeço a Bruno Merlin, do PortoGente, pela montagem da página dupla com o poema Nueva York da mesma forma em que aparece em 5 metros de poemas.
Referências:
Carlos Oquendo de Amat. Nueva York. In: 5 metros de poemas. Edição fac símile. Lima (Peru): Universidad Ricardo Palma, 2007 (1ª edição 1927).
Oscar Limache. Nueva York. In: Viaje a la lengua del puercoespín. Tlalneplantla (México): Linajes, 2008 (1ª edição 1989).
Italo Calvino. As cidades invisíveis. Tradução Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
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