terça-feira, 30 de novembro de 2010

Alessandro Atanes, para a coluna Porto Literário do PortoGente

Dou um tempo hoje nas notas sobre literatura peruana. Ainda há muito material a ser comentado e traduções a serem feitas, e ainda devo escrever um artigo sobre as conferências do poeta limenho Óscar Limache realizadas na semana passada em Cubatão e Santos e sua afinidade com a poesia que encontrou aqui feitas por nomes como Marcelo Ariel, Ademir Demarchi, Paulo de Toledo, Flávio Viegas Amoreira e Alberto Martins. A troca de livros e experiências deste encontro entre Santos e Lima merece um inventário.

Mas hoje fico com outra aproximação latinoamericana, desta vez entre Carlos Drummond de Andrade e Jorge Luis Borges. Não é nenhuma comparação estética entre a poética de cada um, que minha pretensão tem limites, mas gostaria de mostrar a semelhança de tom entre os dois ao apresentarem suas próprias obras em duas antologias.

Na Nota da Primeira Edição, Drummond assina em 1962 uma informação à sua Antologia Poética, para a qual ele próprio selecionou os poemas. O poeta é movido por um impulso de criar conhecimento sobre sua própria obra, algo muito mais útil ao leitor do que o autoelogio:

Ao organizar este volume, o autor não teve em mira, propriamente, selecionar poemas pela qualidade, nem pelas fases que acaso se observem em sua carreira poética. Cuidou antes de localizar, na obra publicada, certas características, preocupações e tendências que a condicionam ou definem, em conjunto.

Daí ele enumera os seguintes temas: O indivíduo, A terra natal, A família, Amigos, O choque social, O conhecimento amoroso, A própria poesia, Exercícios lúdicos e Uma visão da existência. E conclui a nota com um aviso:

Algumas poesias caberiam talvez em outra seção que não a escolhida, ou em mais de uma. A razão da escolha está na tônica da composição, ou no engano do autor. De qualquer modo, é uma amarração, ou pretende ser.

Esta aparente vacilação de Drummond traz implícita uma afirmação de que a recepção, isto é, a leitura de cada um dos leitores, inclusive a do próprio autor ao organizar a antologia, tem a responsabilidade de concretizar a significação da obra, entendimento que é reafirmado a cada leitura.

À sua Nova Antologia Pessoal, de 1967, cinco anos após o surgimento da antologia de Drummond, Borges prepara um prólogo em que afirma que o tempo é melhor antologista que os homens (“O que um homem não pode fazer, as gerações o fazem”) e conclama de forma mais explícita o acúmulo de leituras como o principal antologista da humanidade:

Possam as páginas que escolhi continuar seu intrincado destino na consciência do leitor. Meus temas habituais aí estão: a perplexidade metafísica, os mortos que perduram em mim, a germanística, a linguagem, a pátria, o paradoxal destino dos poetas.

Ao elaborarem suas próprias antologias, Drummond e Borges buscam interferir neste “intrincado destino” das obras de arte, ainda sabendo que a palavra final nunca será do autor, tentam ao menos conduzir o leitor por seus universos literários.

Referências:
Carlos Drummond de Andrade. Informação: Nota da primeira edição. In: Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 2001 (48ª edição).

Jorge Luis Borges. Prólogo. In: Nova Antologia Pessoal. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969.


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