sexta-feira, 12 de abril de 2013

Alessandro Atanes, a partir da coluna Porto Literário 

Em março, o compositor Gilberto Mendes publicou seu primeiro livro de ficção, a novela Danielle em surdina, langsam, pela editora Algol. Gilberto Mendes leva a ficção feita na cidade a um território ainda inexplorado, a cidade de Santos durante a Segunda Guerra, com blackouts e suspeitos de espionagem que circulavam pela cidade, em meio a bailes no Hotel Balneário e reuniões no fictício bar São Petersburgo.

A trama nos apresenta Mathias, um compositor brasileiro com carreira na Europa, principalmente Alemanha, que, ao receber o convite de um amigo dos tempos de adolescente em Santos durante a Guerra, passa a lembrar daquele momento quando era um jovem músico talentoso que começava a se apresentar em bares e bailes da cidade. O vínculo com a Alemanha, da qual Gilberto Mendes tanto aprecia a música, não é apenas do personagem, é também do próprio livro. Tanto no tipo de história, a de formação, gênero que a literatura alemã ofereceu ao mundo com Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1795-96), de Goethe (1749-1832), quanto no gênero, a novela, história curta com poucos personagens que tem início a partir de um acontecimento inusitado, cuja matriz na literatura moderna é Novela, também de Goethe, um de seus últimos trabalhos.

O acontecimento inusitado de Danielle… é o convite do amigo cuja irmã foi o primeiro amor do protagonista. Enquanto chega de trem à residência do amigo na Suíça Saxônica, ele começa a lembrar de como conheceu Danielle e dos dias em Santos durante a guerra.

E o ficcionista Gilberto Mendes não tem vergonha nenhuma de recorrer ao Gilberto Mendes memorialista e ao Gilberto Mendes compositor para compor a cidade portuária às vésperas do conflito:
A música que se pode extrair de fonemas germânicos, fonemas eslavos. Os guturais fonemas escandinavos. Gostava de ouvir, nos filmes suecos. Não entendia nada. Pouco importava. Mas a emoção de ouvir aqueles sons! Era o seu significado. Poético. Emocional. Como a música, que também não quer dizer nada. Significa apenas a emoção que sentimos ao ouvi-la. Particular. Cada um sente a sua.
Mathias lembrou-se ainda dos nomes de alguns navios: o Conde Biancamano, Neptunia, Oceania, Arlanza, Alcântara, Augustus, Avelona Star, Hawaii Maru, Hakonesan Maru… E o impressionante Cap Arcona, com suas três chaminés, o maior de todos. Vários deles seriam afundados durante a guerra. 



Uma guerra se aproximava!
O espaço que separa a última frase dos dois parágrafos anteriores é uma estratégia recorrente ao longo do livro usada para inserir pausas no ritmo, como se fosse uma música sendo escrita na pauta. O mesmo procedimento, que também lembra o corte cinematográfico, é utilizado para contar o início da Guerra:
Depois do cafezinho, os dois amigos caminharam em direção à praia e pararam na porta do Parque Balneário. Daniel [o amigo de Mathias do convite inusitado] despediu-se e entrou no luxuoso hotel. Impressionava a escadaria de mármore, o belíssimo e enorme lustre ao lado. Então Daniel era de uma família rica?! Surpreendeu-se Mathias. Sem dúvida, morando naquel hotel. Gente rica e sofisticada, culta, porém, insegura por algum motivo. Mathias procurava entender qual era o problema. Uma angústia inexplicável o oprimia. Dois meses depois as tropas nazistas invadem a Polônia. Inglaterra e França declaram guerra à Alemanha.
O envolvimento da cidade com a guerra é direto, ainda que nada violento, e ocorre por episódios como o baile de comemoração à vitória da marinha britânica no Clube dos Ingleses com a presença da tripulação dos navios de guerra Achilles e Ajax, que haviam derrotado o cruzador alemão Graf Spee na Batalha do Rio da Prata, perto de Montevidéu. O episódio é real e Gilberto (na foto, em sua biblioteca), então em torno dos 20 anos, esteve lá dançando. No livro, seu alter ego, o pianista Mathias é convidado pelos organizadores para tocar na festa.
O repertório é motivado por um filme, Casablanca (1942), então sucesso nas telas brasileiras. Cidade de fluxos, nó das trocas internacionais, Santos é uma esquina do mundo assim como a cidade do clássico filme:
A festa dos bravos marujos ingleses foi emocionante, em pleno blackout. Os convidados chegando em meio à total escuridão, todas as cortinas do clube abaixadas para impedir que a luz do salão vazasse. A música mais tocada, As Time Goes By, sucesso do filme Casablanca, que já havia passado nos cinemas da cidade. 

Mas Santos era também uma outra Casablanca, vivia o mesmo clima de guerra! 

You must remember this...
Assim como Santos já havia sido conhecida por Barcelona Brasileira e, posteriormente, por Moscou Brasileira, na curta história de Gilberto Mendes recebe mais uma alcunha: Casablanca Brasileira.

Nas próximas semanas, voltamos ao livro.

Referência:
Gilberto Mendes. Danielle em surdina, langsam. São Paulo: Algol, 2013.

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