Alessandro Atanes
A partir da passagem do Dia do Escritor, produzi para o PortoGente um artigo sobre autores preferidos. Há outros, lógico, mas estes foram incluídos porque se dedicam também às reflexões sobre o fazer literário.
Fui injusto quando escrevia sobre o Dia do Escritor, falei só de Calvino. Um dos principais nomes da ficção que não tem vergonha de ser ficção, Calvino não se disfarça de “fatos reais” para contar uma história e assim afirma a autonomia de linguagem e discurso da literatura. Por isso me lembrei dele, porque o artista deve em cada obra encontrar um equilíbrio próprio entre o que é dito e como é dito. A boa ficção mergulha neste espaço entre o que houve e o que foi contado com a precisão de um saltador de trampolim olímpico.
Neste contemporâneo pântano de “histórias verídicas”, tenho por norte autores que não abdicam do uso inventivo da escrita – a imaginação, enfim – em busca de uma realidade que é sempre incerta. Trato hoje desta seleção pessoal. Não estão sozinhos entre meus preferidos, porque há mais, mas os destaco por causa de sua adesão, cada um à sua maneira, à literatura como forma de conhecimento do mundo, não de sua ilustração apenas.
Jorge Luis Borges
Não falo nada que já não tenham escrito antes: o escritor argentino fez da figura do leitor um herói da modernidade. Sua antologia pessoal é um dos melhores caminhos para começar pelas veredas de seus relatos, contos, ensaios e poesia. Além de contos clássicos como O Aleph (creio que nada a ver com o livro homônimo de Paulo Coelho), Aproximação a Almotasím, O jardim de veredas que se bifurcam ou Pierre Menard, autor do Quixote, vale a pena conferir os violentos contos sobre os cavalheiros e soldados dos pampas ou Emma Zunz, em que a protagonista mulher, uma exceção em Borges, vive uma história de vingança.
Umberto Eco
Italiano como Calvino, de erudição humorística, movimenta-se entre a paródia, a piada e a reverência aos mestres do passado. Se Borges está à vontade na Biblioteca de Babel, indo aleatoriamente de volume em volume, Eco, também professor e pesquisador, porta-se de forma mais sistemática, construindo espaços e tempos com vivacidade.
Best seller, Eco ainda faz justiça: pensem em tudo que se costuma falar do texto acadêmico, que é chato, blábláblá. O autor de O nome da Rosa é prova de que tudo isso é papo de quem tem medo de sair do raso e não quer que ninguém saia também.
Ricardo Piglia
Outro argentino. Continuador de Borges, cultivou sua própria voz explorando as veredas deixadas pelo antecessor. Em seus livros os protagonistas/narradores costumam contar histórias que ouviram de alguém e às vezes ouvimos juntos com o protagonista o relato sendo contado pelas próprias testemunhas. Por exemplo, a origem da história do romance Dinheiro Queimado (que fez sucesso no cinema por aqui com o nome original Plata Quemada), conta o próprio autor no final do livro, está em um relato que ouviu de uma moça durante uma viagem de trem. Ela teria se envolvido com um dos ladrões do dinheiro do título e, tempos depois, relembra essa história durante uma viagem de trem a um desconhecido, justamente um escritor. Verdade, ficção?
Roberto Bolaño
Sim, sim, está na moda, morreu com um monte de lenda e Hollywood provavelmente vai filmar a vida (lembram do pântano de histórias verídicas?). Mas o que importa é sua escrita, inovadora e corajosa, de afirmação de um novo humanismo, talvez um pouco mais melancólico. Seus personagens escritores (muitos são baseados no próprio escritor, em amigos e conhecidos) são pintados como pessoas comuns em suas enrascadas cotidianas, isto é, Bolaño promove o reencontro da arte com a vida porque, assim como os nomes acima, vê a literatura como parte da vida, não como à parte da vida.
Gonçalo M. Tavares
Este é português. Sua série O bairro nos traz uma série de senhores chamados Calvino, Brecht, Juarroz, etc. São personagens construídos não a partir da biografia de Calvino, Brecht, Juarroz, etc, mas a partir do estilo e dos climas das histórias de cada um.
Seus romances ocorrem nos tempos atuais, talvez um pouco no futuro. Estão repletos de guerras civis e entre países, situações que levam seus protagonistas a situações-limite nas quais geralmente toma-se a mais imbecil das decisões. Saramago disse uma vez que tinha raiva de um escritor tão novo escrever tão bem.
John DeLillo
Norte-americano. Submundo traça um dos melhores panoramas da Guerra Fria e da paranoia nuclear dos anos 50 até a década de 90. É um dos melhores romances da segunda metade do século passado. O capítulo de abertura é magistral: uma final de beisebol que reúne Frank Sinatra e o chefão do FBI no camarote do estádio enquanto toda Nova York para para acompanhar a partida pelo rádio. Acompanhamos o destino da bola da final durante 40 anos.
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segunda-feira, 16 de agosto de 2010
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