terça-feira, 16 de novembro de 2010


      Por Marcelo Ariel

     Fale sobre sua formação como artista digamos 'maldito' e me diga por que você escreve?

     Minha formação é uma combinação de células, um amontoado de átomos. É esta tragédia alcunhada como vida, é a mutação simbiótica do metafísico sem meta e do empirismo depravado que é essa catástrofe que chamamos de vida. Maldito, pois sou seco, ardido, contundente, pungente em tudo que faço. Em outros tipos de arte, como vídeo e música, tenho mais liberdade pra ser cômico, leviano, mas escrevendo minha alma expele excesso de verdade, e, como digo em um trecho do Sarau Portátil, o que faço é “prosa narro depravadas, a odisséia do paradoxo, o puro creme dos becos de fulos”. Maldito, pois não faço das letras um ato ou efeito de “balelar” como a maior parte dos que escrevem nesta chamada contemporaneidade. Mas acho que para responder de forma simples e completa, comecei a escrever, pois descobri muito cedo que me expresso mil vezes melhor escrevendo que falando. Escrevendo eu jorro palavras, erupciono letras. Em verdade: eu escrevo por mera patologia.

   De Meu doce Valium starlight'  que saiu pelo Coletivo Dulcinéia Catadora , até seu romance ainda inédito que está estourando na internet, comente sua produção literária ?

     Minha produção começou em 2005 e foi um boom. Em menos de quatro meses tive texto publicado por Mário Bortolotto, em seu blog. Na verdade tive trechos publicados em vários blogs de diversos escritores do país e por aí vai. Grande parte dos escritores que conheço hoje conheci nessa época. Escrevi demais em muito pouco tempo. Esses dias fiz uma compilação dos textos que mais me agradam e dividi em dois livros que um dia enviarei para as editoras, o “As Vadias Platinadas e Seus Drinques Solitários” e meus pueris poemas “As Transliterações do Ópio”. Mas o que mais está me dando gozos é o “Dançando Valsa Nos Salões do Inferno”, meu primeiro e talvez último romance. Escrevi de 2007 para 2008 e no início deste ano (2010) fiz um PDF dele e coloquei um link na internet para os amigos lerem e opinarem, mas sabe-se lá como a coisa cresceu como um bolo com excesso de fermento e mais de nove mil pessoas leram esse PDF de amostra. O trágico é que enviei um trecho para vinte e três editoras de São Paulo e todas respondem que passei nos processos avaliatórios, mas, quando depende da assinatura do senhor alguém pra promulgar a coisa toda, ele para. Pra falar a real, em 2008, um camarada chamado Randall levou o Dançando... na Cosac, me disse que foi autorizado a fazer a revisão e nunca mais tive notícia nenhuma sobre e até hoje não entendi essa história que ficou em oculto.

   Existe na sua opinião alguma conexão entre vídeo independente, samplers, hip hop e a literatura e se existe qual seria ?

    Na verdade eu vejo conexões com todas as vertentes artísticas. Acho que o hip hop é por demais estigmatizado pela elite (falsamente) pensante, mas pensando como produtor musical é uma hipérbole de possibilidades criativas. A criação que ele permite através dos programas de editoração beiro o infinito, fora que a coisa mais divertida e prazerosa é gastar tempo criando músicas, depois usar como background pra recitais, vídeos, peças etc.

   Você já pensou em desistir da literatura e por que, pergunto isto por causa da ' maldição' que persegue escritores latino americanos que nasceram do lado pobre do rio, desde Lima Barreto, este nosso João Cândido da literatura, percebo que para nós, pobres autores latino americanos a coisa é mais difícil, o que você tem a dizer a respeito disso?

       Pensar em penso todo dia em desistir da vida, dos vídeos, da música, das letras. Todo dia acordo e penso “hoje eu paro”, hoje eu paro de viver, hoje vendo minha alma e três horas depois estou engendrando algo criativo e esqueço tudo isso. Parece que fizeram santeria para que eu nunca pare com isso.

   Quem é, onde mora e como vive Maicknuclear, como leitor dos teus textos e admirador do seu trabalho de longa data, sinto que você é um dos poucos autores que honram a quebrada aonde mora do mesmo modo que Gógol honrou a Avenida Niévski ?

      Eu sou um surto lírico em curto circuito. Paulistano. Sempre morei e moro no Pq Edu Chaves que é um bairro bonito, ruas largas, árvores frondosas, mas onde nos anos 1990, principalmente, as pessoas tinham a mania feia de atirarem umas nas outras. Mas é tranqüilo, aprazível, ando de madrugada sem preocupação. Mas na verdade falo sobre este lugar, pois é onde recebo as transmissões do mundo, onde minha recepção filtra as ondas Beta, Alfa, Teta e Delta das coisas que chegam até meu conhecimento, onde o sagrado e profano se encontram para tomar cerveja e falar de mulheres, onde vejo vida e morte e onde não tem aquela babaquice e falsidade dessa coisa que chamam de sociedade paulistana, nem o blasé burguês das pessoas vazias, dos hiporongas metafísicos da classe média alta que consideram cargos e títulos como coeficientes de inteligência e vão descalços comprar o livro da moda na livraria da vila. Obstante, se eu morasse em Viena talvez falasse de água. Ou seja, quando escrevo sobre bairro, falo do lugar onde vivo e não da minha relação com as pessoas que nele habitam, nem por bairrismo.

  Você acredita em vida durante a vida, o que você acha da vida atual e da humanidade em geral ?

      Creio que poucas das mais de seis bilhões de acumulados físicos vitais realmente vivam; a maioria absoluta só tem como fim o ato de pagar impostos e morrerem felizes por terem sido honestos com os senhores feudais, os senhores do mundo e felizes em serem mentirosos com eles mesmos. Estamos em um mundo escravagista e todos somos escravos e ter consciência disso não liberta ninguém, só abranda, em milímetros, o problema. Acho que a vida anda um vazio completo. As pessoas sofrem da síndrome de “obsolescência programada” e nem imaginam que estão agindo como gado por culpa de Edward Barneys, sobrinho de Freud, que criou a tal “relações humanas” como opção com outro nome, pois a América odiava a palavra “propaganda” tão usada pelos nazistas. Ele basicamente mostrou à América que eles não precisavam somente do que nutria suas necessidades, mas que para “nos expressarmos” era preciso que consumíssemos conforme “nossos gostos”, ou seja, conforme a indústria fornecia: um leque de opções do que gostar. Mas hoje é tudo muito fútil, não há relações humanas, e falo geograficamente de São Paulo (mesmo o mundo sendo assim), que não sejam projeções de mais valia, de prostituições em banda larga. Sempre há essa troca de interesses não pelo interessante, mas pelo retorno do ganho. E se hoje sou maldito é por que sempre mantive minha dignidade e fugi das confrarias, do lambe-saquismo literário, desse esquema industrializado de amizade buscando fins.

   Fale um pouco sobre a experiência de ter editado a Revista Lasanha?

      A Lasanha foi ótima. Consegui, sabe-se lá como, reunir grandes escritores em edições quase mensais de textos quentinhos. Consegui até que o Mirisola enviasse texto. Toda edição tinha mais de cinqüenta escritores do país inteiro e só parei de editar, pois o site foi registrado em um provedor gratuito que tem limite de espaço. Fiquei com umas quatro edições, adiantadas, prontas, que nunca consegui atualizar por que o espaço do disco foi todo usado.

   E o 'terrorismo poético', como surgiu a idéia para o filme e o que o cinema independente significa para você, fale um pouco sobre o sarau portátil?

      A idéia surgiu quando a biblioteca Alceu Amoroso Lima me convidou para um debate sobre o tema. Me considero um terrorista literário não pelo terror, mas pelo estranhamento e indignação que causo por utilizar prosa poética, lirismo e narrativa densos com grande parte de ácido. E digo mais, só minha presença nos locais já causa uma espécie de terror por que as pessoas estão tão acostumadas com os babacas de suas vidinhas e fechadas para a vida, que não conseguem me classificar, aí surge o estranhamento. Mas, pesquisando sobre o tema, procurando vídeos, descobri que não havia vídeos reais sobre esse tema que possibilita um sem número de ações criativas e os vídeos que achei ou não continham o poético ou não continham o estranhamento (o terror) e na maioria era só baboseira ou sobre grafite. O grafite é sim uma forma de poética, mas um vídeo sobre pessoas grafitando, ao menos pra mim, não é terrorismo poético. Sei que há pouco tempo rolou um vídeo de uns gringos, aqui no Brasil, mas fazia mais o estilo Jackass que terrorismo poético, aí decidi usar o tema como deveria ter sido feito, com seriedade e dotado de beleza e contendo a poético no estranhamento e criar o primeiro filme nacional chamado “Terrorismo Poético, O Filme”, um média metragem que está ficando lindo, mesmo com os empecilhos de ser independente. O cinema independente, assim como a maioria da arte chamada independente é um embuste do capeta e vou te dar um exemplo simples disso: fui levar uns vídeos em uma mostra de produtoras que rolou em cum centro cultural e todos produtores levaram UM filme. E todos os filmes, antes de começar, lia-se claramente na tela: “apoio: Secretaria da Cultura, VAI, Rouanet, Petrobrás” e eram filmes de baixa qualidade feitos a custos acima de dez, vinte mil reais. Aí me pergunto, onde está o independente se pra fazer um filme as pessoas precisam ser dependentes de dinheiro das instituições da qual eles mesmos são contra? Mostrei um compilado de 22 minutos, com quatro documentários, onze clipes, dois curtas e várias entrevistas e tudo feito, literalmente, sem um real, apenas com uma digital de 7.2 mega pixels. E a qualidade de edição é até demasiado boa para um computador péssimo. Eu sou a favor de ser financiado sim, ter apoio, ter patrocínio, mas o dia em que alguém patrocinar um vídeo meu, eu jamais levaria esse vídeo em um festival de cinema independente, pois seu estaria sendo mentiroso demais, seria sujo para comigo mesmo. Mas tenho a impressão que a arte chamada independente é desculpa pra ganhar incentivo das tetas do governo e quem mais representa o caráter verdadeiramente independente são algumas bandas. Mas, respondendo a pergunta inteira, o Sarau Portátil conta com participações de peso de autores como Mário Bortolotto, Samantha Abreu, Bebeto Cicas, Robson Araújo e Ricardo Carlaccio (em OFF), basicamente é um recital musicado que utiliza samples de mpb, soul e psicodelia brasileira dos anos 1960/70, como background grooveado para recitação da minha prosa poética. São onze músicas, quarenta e cinco minutos de apresentação no total, que formam uma “opereta de um homem só”.
    

3 comentários:

  1. Conheci o trabalho do Maicknuclear apenas este ano, lendo justamente seu romance "Dançando Valsa nos Salões do Inferno".
    Foi um impacto. Queria devorar o livro inteiro numa noite. Ao mesmo tempo, não. Queria saborerar devagar, cada parágrafo, queria que aquele livro nunca tivésse fim.
    Isto só me acontece quando me apaixono.
    Porque sua literatura é apaixonante, seca, crua e lírica, ao mesmo tempo. Enquanto esfaqueia, encanta. Este é Maicknuclear.

    ResponderExcluir
  2. Só sei de cartazes nos postes e muros da ciadade.

    ResponderExcluir
  3. esse gajo é um boss...! para quem nao leu nada dele, http://portugues.free-ebooks.net/ebook/Dancando-Valsa-Nos-Saloes-Do-Inferno
    e instruam-se! :D

    ResponderExcluir

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.