quinta-feira, 9 de junho de 2011

 

Alessandro Atanes, para o Porto Literário do Portogente

Em 1922, ano de publicação de Ulisses de James Joyce e da Semana de Arte Moderna no Brasil, o peruano César Vallejo (1892-1938) publica os poemas de Trilce, seu segundo livro, marcado, como diz o poeta e tradutor Haroldo de Campos, por uma poética de “invenções sintáticas e lexicais”. Salvo engano, o livro, talvez por causa mesmo disso, ainda não foi publicado na íntegra em português.

O próprio Campos traduziu alguns dos 77 poemas do livro, há antologias com poemas do livro, e outros estão na internet, como no site de Antonio Miranda (leia aqui), estudioso e tradutor de poesia hispânica. Pretensiosamente, colaboro com esta tradição de busca de um texto “trílcico” (a expressão é de Campos) em português com dois poemas do livro que têm o mar como tema: os de números XLV e LXIX. Sorte minha de não topar nestes dois poemas com algumas das invenções que Campos trasncriou para o português nos poemas I, II e XXIX. A eles:


XLV (ver original)
Me desvinculo do mar
quando as águas vêm a mim.

Saiamos sempre. Saboreemos
a canção estupenda, a canção dita
pelos lábios inferiores do desejo.
Oh prodigiosa donzelez.
Entra a brisa sem sal.

Ao longe farejo os tutanos
ouvindo o tatear profundo, à caça
de teclas de ressaca.

E assim déssemos com os narizes
no absurdo,
nos cobriremos com o ouro de não ter nada,
e sentaremos na asa ainda não nascida
da noite, irmã
desta asa órfã do dia,
que por força de ser única já não é asa.

LXIX (ver original)
Que nos procures, oh mar, com teus volumes
docentes! Que inconsolável, que atroz
estás no febril solário.

Com tuas enxadas saltas,
com tuas folhas saltas,
rachando, rachando em louco sésamo,
enquanto tornam chorando as ondas, após
descalçar os quatro ventos
e todas as lembranças, em labiadas travessas
de tungstênio, contratos de caninos
e estáticos eles quelônios.

Filosofia de asas negras que vibram
ao medroso tremor dos ombros do dia.

O mar, e uma edição em pé,
em sua única folha o anverso
de cara ao reverso.

Referências
César Vallejo. Trilce. InObra poética. Lima, Peru: Peisa, 2010.
Haroldo de Campo. Tributo a César Vallejo. InO segundo arco-íris branco. São Paulo: Iluminuras, 2010.

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