Junior Brassalotti
Ator, produtor cultural, artista circense e diretor de produção do Festival Santista de Curtas Metragens, Brassalotti dá corpo a um sentimento do meio cultural de Santos sobre o anúncio do compositor Gilberto Mendes de deixar o Festival Música Nova
Ao ler no Jornal A Tribuna o anúncio do compositor Gilberto Mendes (na foto de Ciro Hamen e Bruna Indalécio), que não participaria mais da organização do Festival Música Nova, criado por ele na cidade em 1962, peguei-me nostálgico e melancólico.
Santos é uma cidade eclética, consegue parir ao mesmo tempo Gilberto Mendes, Almeida Prado, Lenny Eversong e até um grupo como Charlie Brown Jr, que alcançou projeção nacional pelo rock, sem contar os inúmeros de anônimos e outros nem tanto na briga por um lugar ao som que nem vou listar pra não cometer a injustiça de deixar algum talento de fora.
Mas sofremos também certo complexo de que santo de casa só consegue sobreviver aqui de sua arte por conta de milagres mesmo. Eu me lembro de anos atrás, na minha adolescência, quando começaram meus interesses pelas artes ao ler no jornal que teria um Festival de Música Nova no teatro Municipal.
Eu, todo alegre e que adorava música e novidades, fui, incauto, assistir ao show das bandas novas que iam tocar... Mal sabia... Cheguei ao teatro, platéia de gente bem vestida, mais velha, eu moleque deslocado, sozinho, não conhecia ninguém, sentei lá no fundo e me deparei com um som diferente de tudo que já tinha ouvido, não tinha referência nenhuma do que ia rolar, mas logo me situei de não seria rock nem MPB o que eu iria ouvir... Que bom.
Foi transformador, aquele som único, diferente, incomodava-me como só a grande obra de arte é capaz de fazer, me instigava e levava a outros lugares além dos sons com os quais eu havia sido condicionado a ouvir como “música bem feita”, seja lá o que isso for...
Mas ali tive meu primeiro contato com outra forma de expressão, outra dimensão de expressão, seu dodecafonismo me tirou da zona de conforto e me disse que tudo tem mais de um jeito de ser feito. Depois disso fui me apaixonar pelos irmãos Campos, Picasso, Oiticica, Arrabal, Tom Zé, Beckett, os modernistas... Levei isso pra mim, quando fui me embrenhar pelo teatro, depois pelo cinema, dança... Voltei todos os dias no Festival, pegou-me pelas entranhas, era aquele menino sozinho lá no fundo do teatro, não consegui convencer nenhum amigo da minha faixa etária a ir comigo, azar deles.
Voltando ao meu banzo do inicio do texto, fiquei pensando nas pessoas que a partir de agora não poderão ter a epifania que eu tive ao me deparar com a experiência Música Nova que o Gilberto generosamente deu a cidade de Santos, pois o Festival, agora é silêncio...
Sei que hoje temos muitos músicos, de vários estilos, atores, realizadores de audiovisual, bailarinos, escritores, etc, que optaram por fincar raízes aqui, na sua terra, que Narciso de Andrade tão lindamente cantou, assim como o fazem hoje escritores contemporâneos de primeira linha, mas será que existe algum tipo de resistência do santista a prata da casa?
Será que todos precisamos de um David Byrne daqui a 40 anos nos descubra e informe pra nós mesmos o que já sabíamos?
Estamos andando na contramão da nossa potencialidade cultural historicamente comprovada?
É a relação poder público/artista que precisa ser revista ou artista/empresariado ou artista/poder público/empresariado? Ou artista/público?
Os eventos culturais de Santos, cavalheristicamente, já se dividem pelo ano, numa agenda que privilegia o público, possibilitando seu contato com o que de melhor se produz aqui e o que de melhor os produtores desses eventos trazem do Brasil afora cada qual no seu segmento e no caso do Música Nova, do mundo afora.
Sinto uma calmaria perigosa por parte dos fazedores de cultura, sinto uma platéia indiferente ao fato, e empresários também. Hoje é o Musica Nova, amanhã será qual?
O que acontece por aqui? Tantas cidades Brasis afora se destacam por um ou outro evento regional de determinado segmento que a colocam no panorama nacional como referência, como Gramado pelo cinema, Joinville na dança, outras pelo teatro, outras pelo patrimônio histórico, literatura e assim por diante... E Santos? Que tem potencial PRA TUDO ISSO E MAIS?
Bem, meu caro Maestro, se depender de minha parte não vou deixar de ouvi-lo e se depender de mim não deixarei que a cidade não o ouça também.
Produzirei junto com a coreógrafa Miriam Carbonaro um espetáculo/manisfesto de dança para te agradecer, movimentaremo-nos aos sons do Anjo esquerdo da história, pois temos Saudades do Parque Balneário Hotel também e vamos torcer para que o Santos Football Music beba Coca-Cola. Ofertaremos-lhe humildemente uma foz, uma fala, uma dança para Gilberto Mendes.
Cara cidade, vamos começar o ano saudando Baco na passarela Dráuzio da Cruz e sigamos em Festa, celebrando a cultura caiçara, lançando Tarrafas ao mar e colhendo cenas teatrais e bienalmente dancemos e visitemos as artes plásticas! Vamos dar uma mirada nos teatreiros, nossos hermanos, e depois comer um bom peixe azul marinho na folha de bananeira, afinal não há quem não Curta Santos! Mas não quero deixar de ter o prazer de sentar no meu teatro Coliseu (sim, ele é meu!) e curtir o Música Nova! Pois ele também é meu!
Ditos artistas locais, tomemos cuidado,pois já anteviu e registrou Brecht:
Ator, produtor cultural, artista circense e diretor de produção do Festival Santista de Curtas Metragens, Brassalotti dá corpo a um sentimento do meio cultural de Santos sobre o anúncio do compositor Gilberto Mendes de deixar o Festival Música Nova
Ao ler no Jornal A Tribuna o anúncio do compositor Gilberto Mendes (na foto de Ciro Hamen e Bruna Indalécio), que não participaria mais da organização do Festival Música Nova, criado por ele na cidade em 1962, peguei-me nostálgico e melancólico.
Santos é uma cidade eclética, consegue parir ao mesmo tempo Gilberto Mendes, Almeida Prado, Lenny Eversong e até um grupo como Charlie Brown Jr, que alcançou projeção nacional pelo rock, sem contar os inúmeros de anônimos e outros nem tanto na briga por um lugar ao som que nem vou listar pra não cometer a injustiça de deixar algum talento de fora.
Mas sofremos também certo complexo de que santo de casa só consegue sobreviver aqui de sua arte por conta de milagres mesmo. Eu me lembro de anos atrás, na minha adolescência, quando começaram meus interesses pelas artes ao ler no jornal que teria um Festival de Música Nova no teatro Municipal.
Eu, todo alegre e que adorava música e novidades, fui, incauto, assistir ao show das bandas novas que iam tocar... Mal sabia... Cheguei ao teatro, platéia de gente bem vestida, mais velha, eu moleque deslocado, sozinho, não conhecia ninguém, sentei lá no fundo e me deparei com um som diferente de tudo que já tinha ouvido, não tinha referência nenhuma do que ia rolar, mas logo me situei de não seria rock nem MPB o que eu iria ouvir... Que bom.
Foi transformador, aquele som único, diferente, incomodava-me como só a grande obra de arte é capaz de fazer, me instigava e levava a outros lugares além dos sons com os quais eu havia sido condicionado a ouvir como “música bem feita”, seja lá o que isso for...
Mas ali tive meu primeiro contato com outra forma de expressão, outra dimensão de expressão, seu dodecafonismo me tirou da zona de conforto e me disse que tudo tem mais de um jeito de ser feito. Depois disso fui me apaixonar pelos irmãos Campos, Picasso, Oiticica, Arrabal, Tom Zé, Beckett, os modernistas... Levei isso pra mim, quando fui me embrenhar pelo teatro, depois pelo cinema, dança... Voltei todos os dias no Festival, pegou-me pelas entranhas, era aquele menino sozinho lá no fundo do teatro, não consegui convencer nenhum amigo da minha faixa etária a ir comigo, azar deles.
Voltando ao meu banzo do inicio do texto, fiquei pensando nas pessoas que a partir de agora não poderão ter a epifania que eu tive ao me deparar com a experiência Música Nova que o Gilberto generosamente deu a cidade de Santos, pois o Festival, agora é silêncio...
Sei que hoje temos muitos músicos, de vários estilos, atores, realizadores de audiovisual, bailarinos, escritores, etc, que optaram por fincar raízes aqui, na sua terra, que Narciso de Andrade tão lindamente cantou, assim como o fazem hoje escritores contemporâneos de primeira linha, mas será que existe algum tipo de resistência do santista a prata da casa?
Será que todos precisamos de um David Byrne daqui a 40 anos nos descubra e informe pra nós mesmos o que já sabíamos?
Estamos andando na contramão da nossa potencialidade cultural historicamente comprovada?
É a relação poder público/artista que precisa ser revista ou artista/empresariado ou artista/poder público/empresariado? Ou artista/público?
Os eventos culturais de Santos, cavalheristicamente, já se dividem pelo ano, numa agenda que privilegia o público, possibilitando seu contato com o que de melhor se produz aqui e o que de melhor os produtores desses eventos trazem do Brasil afora cada qual no seu segmento e no caso do Música Nova, do mundo afora.
Sinto uma calmaria perigosa por parte dos fazedores de cultura, sinto uma platéia indiferente ao fato, e empresários também. Hoje é o Musica Nova, amanhã será qual?
O que acontece por aqui? Tantas cidades Brasis afora se destacam por um ou outro evento regional de determinado segmento que a colocam no panorama nacional como referência, como Gramado pelo cinema, Joinville na dança, outras pelo teatro, outras pelo patrimônio histórico, literatura e assim por diante... E Santos? Que tem potencial PRA TUDO ISSO E MAIS?
Bem, meu caro Maestro, se depender de minha parte não vou deixar de ouvi-lo e se depender de mim não deixarei que a cidade não o ouça também.
Produzirei junto com a coreógrafa Miriam Carbonaro um espetáculo/manisfesto de dança para te agradecer, movimentaremo-nos aos sons do Anjo esquerdo da história, pois temos Saudades do Parque Balneário Hotel também e vamos torcer para que o Santos Football Music beba Coca-Cola. Ofertaremos-lhe humildemente uma foz, uma fala, uma dança para Gilberto Mendes.
Cara cidade, vamos começar o ano saudando Baco na passarela Dráuzio da Cruz e sigamos em Festa, celebrando a cultura caiçara, lançando Tarrafas ao mar e colhendo cenas teatrais e bienalmente dancemos e visitemos as artes plásticas! Vamos dar uma mirada nos teatreiros, nossos hermanos, e depois comer um bom peixe azul marinho na folha de bananeira, afinal não há quem não Curta Santos! Mas não quero deixar de ter o prazer de sentar no meu teatro Coliseu (sim, ele é meu!) e curtir o Música Nova! Pois ele também é meu!
Ditos artistas locais, tomemos cuidado,pois já anteviu e registrou Brecht:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
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