quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Um recorte da capa da revista Brasileiros, nº 109


Por Jean Pierre Chauvin


Para Lincoln Secco, autor de História do PT

Gostaria de conclamar aos leitores desta Revista Pausa a que leiam a oportuníssima edição n. 109, da Revista Brasileiros – especialmente dedicada a discutir os bastidores que removeram a Presidenta Dilma Roussef do Palácio*, a despeito dos 54 milhões de votos que recebeu há coisa de dois anos.

Hoje, no início da tarde – a exemplo do que já houvera em dias igualmente sombrios –, a cada rojão, acompanhado de gritos de ofensa pessoal, uma parcela bestificada e tacanha da Consolação confirmou a que veio ao planeta: brigar pelo “seu” (o que quer que isso signifique e implique), desqualificar o que não compreende, aniquilar aqueles que “caem na contramão, atrapalhando o tráfego”.**

À época em que Fernando Collor de Melo foi impedido de reinar, vinte e quatro anos atrás – na província de pernas abertas para todo e qualquer capital estrangeiro –, nossa atriz maior*** esteve num Programa entediante e emburrecedor de domingo, e observou com notável lucidez que o “impeachment” do ex-Presidente era a demonstração cabal de que 500 “palhaços” votaram contra 1.

Ora, o episódio de hoje envolve métodos similares, embora os motivos sejam muito diversos. No caso de Dilma, afora os abafamentos do presente e do passado, os meios de comunicação tiveram papel decisivo, ao construir e consolidar uma imagem negativa da mulher e do Partido que ela representa. 

Evidentemente, quando as gentes lúcidas, como Mino Carta, Leonardo Boff, Chico Buarque, Letícia Sabatella, Gregório Duvivier etc vieram à internet para manifestar as necessárias ponderações – frente às premissas construídas segundo o ritmo martelado de “ladrões, corruptos, comunistas” –, a imprensa tratou de cristalizar uma nova tática: disseminar a ideia de que uma sigla partidária foi capaz de dividir todo o país.

Mais uma vez, a estratégia simplista – tão óbvia, quanto infeliz – foi imediatamente absorvida e reproduzida por um bando de mentes fracas, cuja opinião é facilmente construída ou desconstruída, ao sabor das “autoridades” globais ou moralistas de ocasião (aqueles que matutam as capas mais ofensivas e partidárias, no país). 

Não se trata de inocentar o pessoal que errou, mas de ampliar o alcance do periscópio seletivo das operações de nome pomposo e escopo mínimo. Vale (re)lembrar a história da imprensa no Brasil. Nossos jornais e revistas de maior circulação funcionam sob o tripé Empresários/Anunciantes/Índices de Audiência. Reitero o óbvio: não há discurso neutro; não há jornal sem partido****. 

Por exemplo. Noutro dia, visitei um apartamento (o meu está à venda), para tentar uma eventual permuta. Como eu relutasse em dizer que era professor da Universidade de São Paulo, o corretor insistiu, insistiu, até que revelei a disciplina que ministro... e onde. Adivinhem a pergunta seguinte? 

“Mas você não é daqueles doutrinários, não, é?”. Como se não houvesse doutrina de Direita...

A grande diferença entre uns e outros é que gente da Direita se deleita em provocar sobremodo os outros, ainda que a Esquerda (sim, ela existirá enquanto os entreguistas persistirem em seu cinismo pseudopatriótico) esteja “quieta no seu canto”, como sugeria aquele grande poeta mineiro (puxa, uma terra de pessoas tão diferentes!)*****

Ah, mas é claro: poesia é coisa de gente idealista. O mundo se move segundo os desvãos da Economia, do Sexo e conforme a lógica unitária e perversa da recompensa (a carona, o diploma, o dever de casa, a viagem de formatura, o carro dos dezoito anos, o casamento como perpetuação da Casa Grande...). 

Diz pra esse moço pretensioso, metido a blogueiro, que mude de país e reaprenda a conviver com a democracia (unitária) de quem defende o progresso (a qualquer custo), por sobre os mendigos (gente inútil) que se apinham nas ruas, a mercê dos rostos excessivamente maquilados e mentes fúteis, que desfilam na Oscar Freire e na Maria Antônia – sobranceiros, gastando as bolsas do governo e as mesadas de papai e mamãe, enquanto admiram o penteado mefistofélico do estadista de ocasião. Tsc, tsc [31 de agosto de 2016].

Notas, em tese, elucidativas:

*Palácio passou a ser um perverso eufemismo, no país dos sem-teto, dos sem saúde e dos sem aumento salarial.
**Excerto de Construção, música de Chico Buarque de álbum homônimo (1970).
***Refiro-me a Fernanda Montenegro.
****Alusão ao projeto de lei “Escola sem Partido”, proposto pela gente de bico chato e largo (e seus asseclas).


*****Refiro-me a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

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