sexta-feira, 7 de maio de 2010

A seguir, entrevista feita pela jornalista Cristiane Carvalho, do Artefato Cultural, com o escritor, crítico e professor Ademir Demarchi, editor da revista literária Babel, publicada entre 2000 e 2004 e que volta à circulação com a seleção do projeto de Demarchi pelo programa Cultura e Pensamento, do Ministério da Cultura. O resultado foi divulgado nesta semana. A Babel e mais três outros projetos (Índio, Piseagrama e Recibo) foram escolhidos entre 170 propostas.


Capa do primeiro número da revista (2000), que volta a circular em 2010

Artefato Cultural: Há quanto tempo a Babel existe e qual a principal proposta dela?
Ademir Demarchi: Babel foi discutida como idéia em 1999 por mim e dois outros amigos poetas, Marco Aurélio Cremasco, que mora em Campinas e Mauro Faccioni Filho, que mora em Florianópolis; depois somou-se a nós outra co-editora, Susana Scramim, que mora em Florianópolis. BABEL teve sua primeira edição em 2000 em formato livro.  Durou até 2004, somando 6 edições e quase 800 páginas de poesia nacional e traduzida de diversos idiomas e nacionalidades, tendo ampla repercussão de crítica. Depois de 2004 fiquei sem recursos, aprovei dois projetos pela Lei Rouanet, mas não consegui captar recursos. Em seguida foram mais 3 anos discutindo e tentando implantar em Santos um Fundo de Cultura para fomentar pequenos projetos culturais como seria uma edição de revista. Mas não "Ademir Demarchi lê poemas em simpósio de literatura"houve interesse por parte da Prefeitura – houve lei aprovada, muito jogo de cena, mas o prefeito e o secretário de cultura não entenderam a importância de um programa como esse de fomento à cultura, que impulsionaria enormemente a cultura local. Se a revista sofreu descontinuidade no entanto sua idéia e suas motivações renderam textos, debates a que fui convidado, entrevistas, comentários em jornais e revistas, simpósios, estudos universitários etc.

AC: Com relação a inscrever a Babel no Mecenato do Ministério da Cultura, conte um pouco como foi essa experiência e o processo de tentativa de captação.
AD: Foi uma trabalheira imensa e inútil. A Lei Rouanet é uma fantasia. O governo diz que destina recursos mas eles são impossíveis de serem captados. Ou seja, é um jogo de cena. Quem decide sua aplicação são os empresários, quase totalmente despreparados e incultos, incapazes de entender seu significado e, por isso, nem a usam, muitos temerosos de serem devassados pela fiscalização... Os que a usam fazem-no para grandes projetos ou coisas velhas e aceitas. Em Santos, por exemplo o dinheiro da Lei Rouanet vai para tolices amenas dedicadas a Beneditos Calixtos de mais de 100 anos, para projetos que têm similaridade com a benemerência e o apelo à inclusão, sendo a cultura secundária ou inexistente em sua concepção, ou para a construção de prédios como o teatro Guarany em vez de ir para os que fazem a cultura de fato, obrigados a concorrer com o próprio poder público. Visitei várias empresas ou enviei documentação. É deplorável a experiência, mas didática por nos fazer conhecer como funciona a coisa.

AC: Com relação à sua experiência pessoal, e até de colegas da área da Cultura, o que você acha do mecenato da Lei Rouanet? Acha que essas mudanças, que estão sendo propostas, irão melhorar a condição dos artistas que não estão na mídia?
AD: Minha resposta anterior diz tudo quanto ao que acho dessa lei. Entendo que a melhor forma de se fazer o fomento é através de um fundo de cultura que selecione projetos por sua competência crítica, criativa e capacidade de execução. As mudanças que estão a caminho, nesse sentido, são, portanto, promissoras. Aguardemos.

AC: E o ProAC? Fale um pouco de sua experiência com a lei de incentivo paulista e sobre a atuação dela no nosso estado.
AD: O ProAC foi uma resposta neoliberal do PSDB, amena, maquiável, a uma reivindicação feita pela imensa maioria, pelo menos a mais crítica, de artistas do Estado de São Paulo que, depois de ampla discussão amadureceram a reivindicação de criação de um fundo estadual de cultura. O Governo Alckmin e o Governo Serra criaram essa política de editais que é tímida e não atende à demanda existente. Além do que os resultados das seleções são altamente questionáveis quanto à qualidade. Ainda assim essa forma, por tímida que seja, já é um avanço num cenário em que nada existia. Graças a ela livros têm sido publicados, CDs gravados, espetáculos realizados, dando uma visibilidade a formas de criação antes inibidas. No meu caso, tive aprovado um livro de poemas, cuja publicação foi fundamental para o meu trabalho, garantindo visibilidade a ele, retorno crítico de leitura, nacionalmente, auxiliando o aprofundamento de uma experiência de anos que venho fazendo.

AC: A Babel acaba de ganhar, em primeiro lugar, a seleção pública do Programa Cultura e Pensamento do Ministério da Cultura. Como você está se sentindo? Você esperava o primeiro lugar? Quais são os planos pra Babel depois dessa grande notícia?
AD: Foram mais de 170 inscritos nesse edital que não é de fomento, afinal o governo está comprando conteúdo para publicar revistas que fará circular em sua rede de cultura. Há um formato e meios predetermindados, ainda que haja liberdade de produção desse conteúdo. Eram 4 projetos que seriam selecionados e minha expectativa era de estar entre eles, no mínimo, dada a importância do trabalho realizado com a revista e meu conhecimento do cenário em que estou atuando, ainda que tenha diminuído a expectativa quando soube que haviam sido inscritos 170 e poucos projetos. Achei um número surpreendente e, orientado pela minha experiência de participação em concursos, passei a não esperar mais nada, pois é simplesmente impossível imaginar o que pensam as comissões julgadoras, ainda mais diante de um número exorbitante como esse para publicação de revistas. Sempre existiram muito poucas revistas no país. Constata-se que há uma demanda muito grande, mas não há meios para se publicá-las. Ou seja, é preciso mudar as formas de fomento para permitir a circulação de idéias. A internet ajudou a mudar isso e talvez seja a responsável pelo aparecimento de tantos projetos. Mas a experiência de pensar uma publicação, definir criticamente conteúdos, é bem mais complicado do que simplesmente veicular conteúdos de forma indiscriminada e aleatória, muitas vezes acrítica, como se dá na internet. Uma revista impressa exige outras regras.

Quanto a como estou me sentindo, diria que de certa forma realizado, afinal essa seleção em primeiro lugar é uma forma inédita de reconhecimento a esse trabalho, em que foram levados em conta, no julgamento, como “fatores decisivos” “a relevância e atualidade da abordagem, a pertinência e justificativa do projeto, a capacidade de realização, competência reconhecida do editor e editor de arte, e especial valorização da abrangência geográfica, disciplinar e da rede de colaboradores do projeto”. Sua aprovação é, sem dúvida, um retorno de crítica, de aprovação de uma postura ética, crítica e de criação, ainda que, em termos de trabalho realizado, muito aquém do que eu gostaria que fosse, afinal fazer cultura neste país de analfabetos é uma forma de insanidade (o país de 200 milhões de habitantes tem 68% de analfabetos funcionais + 8% de analfabetos absolutos; isso somam 75%; restam 25% de alfabetizados dos quais talvez nem 10% sejam leitores habituais de livros... Faça-se as contas e constate-se o disparate).


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