quarta-feira, 12 de maio de 2010

Marcelo Ariel


1) Fale um pouco sobre sua trajetória de poeta e performer?

Com a poesia comecei desde os meus treze anos por volta de 1995. Lembro de uma oficina de redação que fiz com Gilson no Museu Lasar Segall em São Paulo. A gente escrevia os poemas, trocava impressões. Mas a coisa começous quando conheci o poeta Roberto Piva, aos quatorze anos, essa primeira bomba que foi a oficina dele de poesia e xamanismo na FUNARTE. Comecei a escrever dialogando com as diversas referências da poesia universal. Lembro de que Piva indicava os autores. Perguntava-me se tinha lido Rimbaud, Fernando Pessoa e as suas observações sobre Mircea Eliade, Artaud, Breton me deixava cada mais curioso a tal ponto de vasculhar os sebos e livrarias em busca dessas leituras. Dali em diante entrei cedo em contato com Artaud, Baudelaire, Lautréamont, etc. E as vivências poético-xamânicas com tambores e declamações poéticas. Um dia numa andança pela rua Augusta li um poema para ele chamado Menino Orfeu, ele ouviu e gostou. Seu incentivo foi fundamental para mim. Desde então não parei de ler e escrever poesia. Outra bomba aconteceu quando mudei pra Embu das Artes em 2007. Conhecendo uma outra paisagem e cenário artístico passei a escrever contos, poemas e até a fazer performance com os poemas em saraus da periferia e do centro. Em outubro de 2008 liguei para Piva para um encontro na Casa das Rosas. Entreguei-lhe o meu livro Naufrágios. A sua resposta foi rápida e bombástica. Dois dias depois ligou pra mim dizendo que tinha gostado dos poemas...eu tinha que fazer uma seleção de poemas para serem publicados numa antologia de jovens poetas: foi então que eu e Gabriel Kolyniak nos conhecemos - que também tinha uma relação amistosa com Piva - fizemos um belo recital na Casa das Rosas no SAMPOEMAS de 2008 e aí Gabriel pensou me incluir numa antologia que vai sair nesse ano pela Nankin. A performance veio em 2009 quando comecei a experimentar a minha voz, o meu corpo no espaço...no centro de São Paulo, na praça do Embu das Artes, nas escolas, nos saraus, etc. A poesia está louca - dizíamos na rua do Embu das Artes, num recital itinerante com um grupo de artistas do Embu: meus pés dançando em lajedos selvagens. Então venho fazendo minha performance O olho da menina morta no Embu das Artes, na Casa das Rosas, nas escolas da periferia do Embu, no Largo São Bento, e na casa de alguns artistas. Incorporo movimentos de tai-chi, dança contemporânea, poesia e teatro na performance.

2) Blake afirmava em O casamento do céu e do inferno que o corpo e o espírito são uma mesma energia, como você sente essa energia e como ela se insere como idéia e ação em seus trabalhos performáticos?
Sim, tudo é energia. Pratico tai-chi e a meditação desde jovem. Aprendi com tai-chi que o corpo pode armazenar energia e fazê-la circular pelas regiões do corpo. Isso exige movimentos lentos, meditação e trabalho com a respiração. Minha performance é criada a partir desse contato com o tan tien, o centro vital onde a energia pode se concentrar e se expandir. Quando me movo a energia flui e aí danço com todas as possibilidades vislumbradas nesse oceano de energia.

3) A performance hoje não estaria diluída ou é exatamente o oposto, em tempos de diluição, opaciamento e contenção da energia corporal, ela esta cada vez mais viva, em caso afirmativo, por que?
Na verdade, penso que a performance que começou nos anos 60, mas que veio desde os dadaístas e surrealistas como Apollinaire e Hugo Ball atravessando todas as linguagens (poesia, teatro, dança, etc...) abriu novas possibilidades de criação. A performance enfatiza mais o ato, o acontecimento em si, e a relação do performer com o público. É claro que não existe uma regra para a criação de uma performance. Cada performer pode adotar e criar o seu método, e hoje ela é cada vez mais uma diversificada. Ela é uma arte Anti-arte. É claro que depende da proposta de cada artista. Porque o que a nossa sociedade atual exige do artista não é tanto o produto cultural, mas a interatividade e a conexão que ele pode estabelecer com o mundo. A obra artística desaba de seu pedestal, isso vem acontecendo desde os hapennings dos anos 70, aqui com Hélio Oiticica, e outras propostas que impulsionam o artista a buscar uma interação com a tecnologia, as diversas esferas sociais, é a maneira como um dançarino ocupa um espaço público, com as suas implicações políticas, éticas e culturais.

4) Existe alguma relação entre o Butô e o Taoísmo?
O Butoh consolidou-se com as performances de dança de Kazuo Ohno e Hijikata no Japão dos anos 70. O taoísmo remonta a Antiguidade na China com as práticas xamânicas como adivinhações, rituais de cura. No terceiro milênio antes de Cristo um sábio Imperador Amarelo Huang Ti era alquimista, conhecedor do corpo humano e de suas doenças. Atribui-se a ele a origem mítica do taoísmo: ele descobrira a imortalidade e voara para o céu em forma de dragão. Depois é que em por volta de 700a.C um sábio chamado Lao Tsé foi considerado o fundador da filosofia taoísta por ter escrito Tao Te King. A relação entre o Butô e o Taoísmo pode ser sentida pela maneira como Hijikata procurava destruir as couraças e defesas de nosso corpo, provocando a libertação de suas amarras que são produzidas/incutidas em nosso corpo pela educação do sistema social. A sua dança evocava um outro estado de ser: para Hijikata o corpo tinha que morrer e nesse sentido taoísta se esvaziar para que algo desconhecido venha à tona. Hijikata queria algo próximo do que queria Artaud quando este também dizia que o corpo deveria se tornar um corpo sem órgãos, ou seja, sem as suas funções socialmente delimitadas e ser um campo de pulsões primordiais. O taoísmo leva-nos pela meditação no vazio e o principio de desprendimento a abraçar as forças da natureza, fazendo com que sejamos íntegros - não pela negação do corpo - mas pelo seu esvaziamento: o corpo se torna um vale deserto, e dentro desse vale há um ponto de energia primordial.

5) Fale sobre sua última performance e sobre o processo de elaboração dela?
Minha performance O olho da menina morta é minha poesia na minha expressidade corporal. O corpo fenomenal (Merleau-Ponty) é esse campo que se ancora no mundo. Queria fazer a performance, não meramente um recital de poesia. Então um amigo meu Irael me sugeriu fazer umas aulas de dança com Cia Corpos Nômades. Fiz um mês com vários movimentos que se dão no chão, rolamentos, quedas e deslocamentos. Senti-me bem estranho, pois o corpo se "emocionava" com pequenas coisas, me sentia extasiado, meio louco; aí tive a ideia de por mim mesmo criar a performance O olho da menina morta baseando-se no meu próprio poema com esse mesmo título. O poema veio antes e é dessa fase que estava lendo, vendo e pesquisando a linguagem da performance: A performance como linguagem de Renato Cohen. A proposta era trabalhar com pulsões de vida e morte tendo como base dança contemporânea, tai-chi, butoh e poesia; foi quando lembrei do O chamado, filme famoso de terror de Hideo Nakata que tinha assistido anos antes em que a imagem do olho é quase obsessiva, minha roupa é quase igual à da menina, a assassina. Acaso surrealista. Outro famoso é a Madrugada dos mortos de Zack Snider que assisti logo depois de ter feito algumas vezes a minha perfomance. Improvisei várias intervenções em espaços públicos. A roupa feminina da menina morta foi achada no brechó do Embu das Artes e nela pinguei umas tintas e barro já que estava no Memorial Sakai no Embu e a partir daí surgiram algumas sincronias: caía no meu email um convite para uma performance com Teatro Parabelo no Largo São Bento, o convite de Marcelo Ariel, Felipe Ribeiro pra fazer num encontro, tudo convergia para a performance. E eu ensaiando e participando agora de uma oficina com Maura Baiocchi no NuTaan para um espetáculo Rito de Passagem concebido coletivamente que integra foto, dança e vídeo-environmentperformances (realizadas e filmadas em ambientes urbanos de São Paulo), instalação cênica, música original e poesia.

6) Qual a importância do "instante" e do "wu wei" em seu trabalho performático e em seu trabalho poético e onde e por que eles se complementam?
O instante é um ponto-chave na criação dessa dança-performance já que é preciso ser flexível como a água e leve como vento para que se perceba o instante. Carlos Castaneda diria que é a mudança no ponto de aglutinação, uma mudança de percepção. Experimentei esse estado nas sessões do Santo Daime e na prática do tai-chi. É também o ponto em que se suspendem as nossas preocupações diárias para que o inesperado apareça nesse fluxo natural da água. O instante pode ser percebido no dia-a-dia se meditamos em nossas ações e pensamentos. O wu-wei que quer dizer a não-ação incorporo na minha dança no sentido de que não devo forçar nada, apenas preciso me conectar ao meu corpo vazio, morto, aquele vale do deserto do qual estava falando e apenas fluir nessa corrente de energia, sem racionalizar ou pré-determinar o que virá em sequência; é claro que existe um modo orgânico da energia sair do meu umbigo-centro vital e atravessar todos os pontos do corpo até chegar à superfície das mãos, dos cabelos e dos pés. E para o corpo e o espaço.

7) O que é a vida, para você?
Vida é uma dádiva absurda. Viver é saber morrer. Quando estamos vivendo o presente, a consciência-corpo está plena, sem tentiva de separar as coisas. Como diz Freud no Além do Príncipio do Prazer: as pulsões de vida estão associadas à morte. A vida também caminha para a morte. Se as células germinativas se casam para criar vida, de alguma forma também procuram chegar à plenitude. O desejo primordial, o Eros estava junto à morte como o feminino e o masculo no andrógino apresentado por Platão no Banquete. A vida e a morte se entrelaçam como duas mãos de uma mesma carne, para usar uma metáfora, esse corpo que aqui se expressa é a grande possibilidade, e a arte pode extrair também desse corpo a sua imensa matéria-prima.

8) Qual a importância da morte e da música em sua 'poética performática'?
A morte é a passagem para aquele estado inorgânico do repouso, penso que se vivo essa morte atualmente no meu corpo e na arte essa performance é mais real e verdadeira. Todos sabemos como o corpo se move no dia-a-dia preso às suas limitações. A morte, nesse aspecto, é a possibilidade artística de transgredir essas limitações e de nos levar ao espaço ilimitado das possibilidades. O corpo que dança essa morte vivencia a plenitude e a precariedade de todas as dores, porque dói renascer. A música não vem para harmonizar com a performance: ela não precisa ter um significado descritivo e nem os movimentos. Como no tai-chi, a música que experimentei - o didgeridoo - também pode ser performática. Muitas vezes dancei sem música. Escutando a música do espaço do meu corpo e da minha respiração. Paisagens sonoras, silêncio e ruídos.


1 comentários:

  1. sim, dói nascer, dói viver, dói morrer, dói renascer
    acredito nisso, que ao buscar no corpo todas as paisagens, todas as dimensões, vc vai se desdobrando em potências infinitas, inimagináveis. E lá estará a Poesia, em estado absoluto
    abraços búdicos, lúdicos

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