terça-feira, 8 de março de 2016



Por Matheus Arcaro


Vivian de Moraes enviou-me seu livro "Desconstrução" (Editora Patuá) com um pedido: que eu o resenhasse. Junto com o livro, uma carta muito gentil e carinhosa. Aceitei de bom grado.

O próprio título dá a tônica da obra: desconstruir a linguagem para, com ela, reconstruir as possibilidades: tanto as concretas, quanto as abstratas. 

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, cujo pensamento está em voga nos últimos anos, tem um conceito interessante. O que alguns autores classificam de pós-modernidade, ele chama de modernidade líquida. Por quê? Por duas características da água: ela é fluida e se “adequa” a qualquer recipiente. As relações na contemporaneidade são efêmeras, sem consistência, sem lastro. E as pessoas, com o senso crítico esmaecido, encaixam-se com facilidade em dogmas, preceitos, valores etc. Portanto, seria preciso construir uma nova visão de mundo.

Ora, para construir algo novo, é preciso antes desconstruir. Não por acaso, Nietzsche afirmava que não há criação sem destruição. Eis o que a poeta Vivian de Moraes nos propõe. 

Mas não se trata de uma desconstrução a porretadas. Os poemas de Vivian são brincadeiras com a linguagem. Jogos capazes de nos lembrar o lado lúdico da palavra, como bem sabiam os poetas da antiguidade. É a palavra despida do conceito, em estado puro de memória. A palavra que nos pega pelo braço e nos leva à infância. 

Sua linguagem objetiva e direta, aliada a tons de ironia e humor, coloca o leitor face a face com o fazer poético. E mais: com os versos primeiro “desconstruídos” e, em seguida, “construídos”, ela sugere que o mundo, por mais caótico, pode ser rearranjado; pode ser construído e desconstruído como uma criança faz com seu castelo de areia.

O livro de Vivian de Moraes mostra-nos o não-lugar, as possibilidades entranhadas na escrita e manifestas em versos. Mostra-nos que a poesia é, por excelência, antidogmática: está se construindo e desconstruindo a todo instante. 


06 poemas de Vivian de Moraes:

1. rugindo sou leão um
monotonia da fujo
invento pau-aves.
avesso, há verso.
sou um leão rugindo
fujo da monotonia
invento pau-aves.
avesso, há verso.

***

5. vazias de durmo mãos.
olhos durmo abertos de.
não também durmo.
durmo de mãos vazias.
durmo de olhos abertos.
também não durmo.

***

11. madrugada na escrever adoro,
tem não ninguém mas
escutar para.
adoro escrever de madrugada
mas não tem ninguém
para escutar.

***

16. espelho um quebrar permita-me
e caco um utilizar
numa branca para luz a refletir parede sol do.
permita-me quebrar um espelho
e utilizar um caco
numa parede branca para refletir a luz do sol.

***

20. estou sangrando
me suturas ninguém faz:
enviam só me faturas!
estou sangrando
ninguém me faz suturas:
só me enviam faturas!

***

23. me que publiquem para escrevo.
certa para editora que publique me.
medo de morrer tenho esquecimento no.
escrevo para que me publiquem.
para que certa editora me publique.
tenho medo de morrer no esquecimento

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