Só o poema de amor constrói: a poesia de Ademir Demarchi

Iran Silveira           

Paranaense radicado em Santos, Ademir Demarchi tem poesia suficiente para publicar uma obra reunida, e o fez em 2012, com Pirão de Sereia (Realejo), extensa antologia que abrange trinta anos de escrita. Agora, pela Patuá, adiciona um item a esta bibliografia com O amor é lindo, obra temática e explicitamente irônica. É interessante observar que os poemas, embora não poupem a relação a dois, são todos centralizados na página, como reconhecendo um ponto central onde os diferentes se espelham em igual proporção. Trata-se, entretanto, de uma característica, modus operandi do poeta, que utiliza o mesmo recurso na maioria dos poemas de Pirão de sereia, com os mais diversos temas.

"O AMOR É LINDO – mas não se fabrica/caixão para dois". Vinte poemas deste livro são assim, dísticos, ou dois terços de haicai. Talvez por essa objetividade formal são também os mais diretos e implacáveis.

A instituição matrimônio é tema de nove poemas, e ainda aparecem o sexo, a viuvez/luto, namoro, separação, interesse, traição, ciúme, possessividade, filhos, anulação (do "eu", além do casamento). Matéria-prima para Demarchi, que constrói sua obra como quem junta tijolos espatifados e os cimenta.

Apenas um poema ultrapassa a página, "Enquanto te despes como te distas", que parece dizer: "como podes sentir ciúmes, se eu é que deveria?". Originalmente se chamava "Enquanto te despes"; está também na seção "abismos", de Pirão de sereia.

Deste novo, meus preferidos são "tive filhos/ transmiti às criaturas/ o legado da nossa miséria", embora não os tenha. E "Radical": "me vê um espeto de coração". Nada a acrescentar.

Cabe aqui a pergunta: como ficaria quem nunca amou, após a leitura de O amor é lindo? Talvez mais desconfiado. Quem já amou só concorda.

Há que se mencionar a precisa e apropriada arte de Leonardo Mathias, que captou O amor é lindo em toda a sua tetricidade. Arte cortante para um livro idem.

Iran Silveira é pós-graduando em Literatura na UFSC