Alessandro Atanes *
A Pinacoteca de Santos ficou falada nestes dias pelo roubo. Certo, mas coisas legais também foram feitas lá nos últimos dias. Pinacotequice é o nome que dei para coisas que acontecem na Pinacoteca, só para brincar, afinal, isso é um ensaio, não uma operação.
Pinacotequice 1
No sábado passado (26), o poeta e ensaísta português Luis Serguilha esteve no Café Literário e falou sobre sua produção poética, “cósmica”, em que as palavras fluem, acontecem, sendo mais som que sentido, importando mais sua reverberação do que a narrativa. Para Serguilha, o que aconteceu foi uma “tragédia” quando Descartes escreveu “penso, logo existo” e o pensamento passou ao império do racionalismo. Isso se estende à crítica (e pode incluir aí o colunista): “dizer o que uma poesia quer dizer é a pior coisa que existe”. Se a poesia é feita de algo, lembrou Flávio Viegas Amoreira, que mediava o encontro, lembrando do prefácio de Embarcações (livro de Serguilha), é de “uma matéria instável como o mar”.
Uma pitada desta poética constata-se com a citação dos primeiros versos de Hangar 12, do livro KOA’E, que começa na página 76, aberta aleatoriamente:
O ébano aceso dos veleiros desdobra ironicamente
o bate-boca do gigantesco soporífero
onde o estirador dos jograis cinematográficos crepita
entre os arguiços azulinos
das campainhas eólicas
para decompor a pirâmide do balanço lúbrico
que irrompe no cós diáfano das lagartixas
Serguilha também falou sobre o desconhecimento a respeito das literaturas de um país pelo outro além dos quatro, cinco nomes aclamados de cada um; e assim também das diferenças culturais. Presenciamos todos uma delas, a dificuldade de certas pessoas (eu inclusive) com o sotaque do poeta, da cidade do Porto, muito rápido. Apesar do cuidado que ele demonstrou, tínhamos que redobrar a atenção para captar palavras. Mas o que era dificuldade para acompanhar a exposição tornou-se trunfo. Quando Serguilha passou a ler sua poesia pela “linha vibratória contínua” que é seu estilo, o estranhamento causado, por sua vez, propiciou a todos apreciar nossa língua cantada em outro acento, sotaque, como se fôssemos o outro. E somos o outro.
Pinacotequice 2
Três dias depois, no mesmo salão, Gustavo Klein, editor do Galeria, caderno de cultura do jornal A Tribuna de Santos, falou sobre a publicação no Conversa de Botequim, que migrou para a Pinacoteca (assim como já o haviam feito os cursos de História da Arte de Nélson Wendel e as oficinas literárias de Eliana Pace, além de ser a casa do Sarau Caiçara e do Café Literário, já em sua terceira edição – o que mostra a Pinacoteca como um ponto aglutinador).
Klein disse que a passagem de um pouco mais de um ano de Vera Leon, sua antecessora, pela edição do caderno “resgatou a importância do Galeria para o próprio jornal” e que sua missão agora, basicamente, será a de obter mais espaço para a editoria, normalmente com quatro páginas: “Espaço é nosso maior drama. Na verdade, a gente tem uma página, a primeira, e 1/5 da página 2”, disse, referindo-se às seções fixas (horóscopo, cruzadas, televisão, coluna social, além de anúncios). E, por favor, leitor, leitora, não entendam como se ele tivesse reclamado em público. Não, não, ele falou isso tudo com orgulho do jornal em que está há 22 anos e que lhe deu o que considera um presente e, ao que parece, um desafio.
Julinho Bittencourt, mediador desse debate, trouxe para a discussão um sentimento difuso no meio cultural de que a produção artística realizada na cidade e na região tem aparecido pouco em A Tribuna. Além do pouquíssimo espaço, também são poucos os profissionais que atuam na editoria, contou Klein. Depois, pediu aos artistas e produtores culturais (recado aqui retransmitido) que mais do que nunca procurem o caderno com uma “boa história” para contar. Discutiu-se também a questão da essência do Galeria – é de variedades ou de cultura? –, algo bem importante no universo da mídia regido em grande parte pela indústria cultural e suas celebridades.
Uma web arte
A parte final da conversa girou em torno do futuro do jornal impresso frente às novas mídias eletrônicas. Basicamente entre os que acham que sim, os jornais vão acabar, e os que não acham isso. Mas ficou no ar uma esperança de que os cadernos de cultura e o jornalismo (“em crise de identidade”) possam se aproveitar delas.
Na arte, isso já está bem claro, vem ocorrendo sem parar. Por volta das 11 da noite, enquanto o encontro com Klein tinha acabado de acabar, Fátima Queiroz compartilhava uma criação pelo Facebook, diretamente com o público, sem a mediação do jornalismo:
Pós-escrito
Lembro de algo que Luis Serguilha havia dito poucos dias antes em relação ao próprio fazer poético, que deve se alimentar da “transmigração com outras áreas”, como arquitetura, dança e até física quântica.
Para onde poderia “transmigrar” o jornalismo cultural? Ou, falando claramente, será que o jornalismo cultural não deveria se jogar mais? E para onde?
Só sei que devemos ouvir um poeta com experiência de "dinamizador de bibliotecas de jardim".
Referência:
Luis Serguilha. KOA’E. Belo Horizonte: Anome Livros, 2011.
* Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.
O que será uma boa história para o Klein ou o Galeria? Pergunto porque, sei lá... O que é uma boa história para mim pode não ser para o outro. Boa história é uma questão idiossincrática?!
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