Entrevista com a escritora e tradutora Beatriz Bajo:
Por Marcelo Ariel
1-) Fale um pouco sobre as ligações e relações dentro de você entre a escritora e a tradutora, existe alguma relação e/ou vaso comunicante entre o processo de tradução e a criação de um poema ?
Tradução é tudo o que eu faço, desde sempre...haja vista que vem do latim traducere, significando condução, fazer passar de um lado a outro; ou seja, uma tradução nada mais é que uma interpretação. Isso a poesia sempre me deu, a possibilidade de interpretar o mundo. Aliado a isto, está o idioma espanhol como um dos pilares da minha formação, pois tenho as duas cidadanias, meu pai nasceu na Espanha, e a convivência com as línguas por dentro sempre foi intensa. O que faço agora é apenas aplicar esta experiência de uma forma mais literária.
Meu trabalho como tradutora (da língua espanhola) é muito recente. O Respiração do Labirinto, título original Respiración del Laberinto, de Mario Papasquiaro foi um encontro delicioso e inesperado que aconteceu em 2009 pelo Coletivo Dulcinéia Catadora. Adorei traduzir um poeta mexicano tão maravilhoso. No mesmo ano, ao finalizar o trabalho com os poemas de Papasquiaro, recebi um convite para traduzir uma novela, dessa vez, mas coincidentemente também mexicana, da editora LetraSelvagem. Deve sair ainda este ano e estou muito ansiosa com esta publicação.
2-) Durante a criação do poema : A PALAVRA É como você sentiu ou explorou a tensão entre as duas línguas usadas na confecção do poema?
Olha, eu nem sabia que o livro estava prestes a sair. O : a palavra é foi um poema que se derramou em uma semana e quase sem planejamento anterior ao processo de confecção do mesmo. Portanto, atribuo a ele um ineditismo em todos os níveis, claro que num contexto íntimo. Foi ele quem me conduziu e não o inverso. Descobri coisas minhas que nunca desconfiei. Ele tem sido um grande revelador de uma poesia até então submersa no que sou. Ele é quem me explora e as línguas vão percebendo meus sabores, experimentando minha textura, minha temperatura. De certa forma, houve uma fusão de papéis; não apenas sujeito na criação, mas fui muitas vezes objeto de investigação do : a palavra é.
3-) Na sua opinião qual a relação entre o poeta, o editor e o leitor de poesia? Muitos afirmam que o leitor de poesia não existe e que estamos escrevendo para outros poetas, formando uma espécie de maçonaria poético-corporativa, como você vê esta questão?
Poeta, editor e leitor são os pilares do mundo livreiro, no caso, os interlocutores da poesia. Acredito que aos três é necessário mais virtudes, nos melhores sentidos desta palavra. Há rara humildade e generosidade entre eles. O editor bom deveria ser um leitor imune a preconceitos, um garimpeiro da poesia, não aceitando o conforto das indicações amistosas (apenas), mas agindo com mais atrevimento e menos acorrentado aos esquemas ideológicos do mercado. O leitor ideal também deveria ser mais generoso e mais atento, incentivando o surgimento de novos poemas e poetas por meio de investimento e de interesse pela leitura. O Poeta é essencialmente um leitor voraz (não apenas de poesia, mas, sobretudo de poesia), e deveria ser menos egocêntrico, mais interessado na poesia como uma manifestação artística maior do que o produtor dela. A poesia, em sua raiz é virtude, troca, ela é toda generosidade, e o poeta – ponte – precisa ter isso bem claro para não usá-la indevidamente. Infelizmente, tenho esbarrado com produtores de poemas que entram em contato comigo para que eu engula sua produção. Há um fingimento de interesse pelo que produzo com o único intuito de forçar a leitura de seu material. E é um engano, porque a poesia é que nos pega, e não o poeta. Também tenho conhecimentos de “profissionais da poesia contemporânea” que não têm em sua bagagem mais do que clássicos da poesia universal, desprezando o que se faz atualmente. Acredito que isso seja no mínimo uma negligência torpe que beira a soberba. E isso não é raro. No entanto, há leitores sim de poesia e salvamo-nos e preservamos o melhor dela porque há os mantenedores da arte, os que se banham na fonte das inspirações que só pode ser atingida, evidentemente, pela leitura.
4-) Você escreve a prosa poética e a poesia em verso livre, na sua opinião, o que caracteriza uma e outra forma, será possível alguma equanimidade ou ruptura com tradições já solidificadas destas duas formas cunhadas pela já caquéticas vanguardas europeias?
É verdade. Boa pergunta. Não tinha pensado nisso. Na verdade, acredito que a poesia realmente não sai do que escrevo. Mas, a intenção é sempre de contar uma história na prosa...diferentemente do poema, em que a atenção volta-se às imagens, sem a preocupação de conexões.
Por exemplo, na minha prosa utilizo interpretação de eventos que experienciei ou ouvi. Nunca escrevi prosa sem uma história anterior. O poema é bem mais emocional, são fatos mais impactantes como flashes. Não são a mesma coisa. Acho bem perceptível um e outro gênero, apesar de já ter visto mesclas também.
Acredito num fio condutor de uma ideia a ser desenvolvida como que basilar na prosa, o que se difere do poema porque a este não há nenhum tipo de obrigatoriedade. rs
5-) Você também é professora, fale um pouco sobre a experiência de 'dar aulas'; a poesia entra na sala de aula de que modo?
Nunca pensei em ser professora. Nem durante a faculdade. Mas fui descobrindo um prazer imenso de tentar consertar algumas falhas do meu aprendizado, contribuindo ao aprendizado dos outros. Além disso, poder falar coisas lindas com pessoas que talvez nunca as ouvissem; falar sobre amor, recitar poemas, sentir e manifestar o encantamento de proferir delicadezas e estar com eles.
No entanto, é evidente que as coisas não são um mar de rosas brancas porque o sistema educacional do país está falido há muito tempo. Há semi-analfabetos em todas as séries do ensino fundamental e médio, infelizmente, alunos que não conseguem interpretar textos, não fazem contas, não sabem nada além de mascar o chiclete ideológico das mídias (e muitas vezes, engoli-lo, o que é pior). E as matérias aumentam em quantidade e diminuem em tempo. É vil haver uma ementa em que há tantos acessórios sendo que o fundamental não está implantado.
Portanto, nem sempre há espaço para falar o fundamental – O QUE É UMA LÁSTIMA – e as pessoas vão formando-se, ganhando ou comprando diplomas e a nossa sociedade vai seguindo sem cidadania, sem autonomia, sem prestação de serviços de qualidade...
6-) Você já tentou escrever um romance? Que considerações você poderia tecer sobre o que denomino de obrigatoriedade dos poetas de escreverem prosa ficcional, talvez isso seja, uma convenção mercadológica, mas existe. O que você tem a dizer sobre isso e sobre as dificuldades encontradas ou criadas pelos editores para divulgar e vender livros de poesia?
Não. Nunca tentei escrever um romance. E acredito que o mercado realmente influencia nisso. Mas também acho que há escritores com facilidade de infiltrarem-se em outras veredas. Ao menos por enquanto, não acho que seja o meu caso.
Com relação à venda de livros de poesia, já comentamos anteriormente que realmente é escasso o público leitor deste gênero, mas isso pode realmente vir da precariedade de se encontrar livros de poesia com a mesma exposição do que dos demais gêneros, e acredito ser culpa de todos os envolvidos neste setor, tanto editores (que atravancam o processo de distribuição e divulgação) quanto dos livreiros, que deixam de dar atenção devida a este tipo de produto e contribuir com sua maior exposição em livrarias e demais pontos de venda.
7-) Hoje, nós estamos condenados a realização de uma série de projetos de marketing, alguns escritores até fazem de suas obras projetos de marketing pessoal, as redes sociais, facebook principalmente são usadas para tal fim, mas até o tráfico de influência via indicações em editoras e troca de elogios via resenhas, no fundo são parte desse tipo de política, que é incentivada por editores e produtores culturais. Como você vê esse problema e como em sua opinião podemos contorná-lo?
Bem, mencionei isso em outra questão. Acho feio pessoas deixarem evidente que estão apenas interessadas em exibir o que escrevem sem uma consideração com a obra do outro escritor, no caso. Na verdade, essa atitude desestimula a leitura; não contribui, mas age inversamente, prejudica o próprio texto.
Não digo que não deve haver divulgação. Claro que sim, haja vista que ninguém, além do próprio autor hoje se dispõe a fazê-lo; o que é uma lástima porque na maioria dos contratos feitos entre editora e escritor, aquela se compromete com a distribuição e divulgação do objeto-livro através do qual ela ganha muitas vezes mais que o próprio autor. E é claro que se o livro não é um estouro de vendas, as livrarias não estão nem ligando em divulgá-lo.
Particularmente, a internet foi responsável por eu ter livros hoje. Através da divulgação do meu blogue e do meu trabalho como editora literária de um site, sobretudo em comunidades do Orkut. Fiz, além de livros, muitos amigos, haja vista que a internet é um espaço em que pessoas afins se encontram. E sou muito otimista com relação ao que acontece na virtualidade. Há muita jóia que descobri por meio deste tipo de contato.
Claro que existem panelinhas, isto é óbvio...mas também acredito que isto acontece em todas os setores de todas as áreas profissionais e pessoais. Os afins se aproximam e formam-se parcerias. No entanto, há que haver atenção para que não se cometa injustiças e perda da ética em alguns casos. É importante estar aberto às novidades e às coisas boas que estão sendo feitas para não privilegiar a “inaptidão conhecida” em detrimento de bons profissionais.
8-) Cite um poema seu que considera emblemático dentro do seu trabalho e comente o porquê dessa escolha?
Acho que “comer borboletas” é um poema emblemático porque evoca o amor, tema central do meu trabalho, aliando corpo e alma. É sempre uma procura pela delicadeza do amor.
Já falei isso em outra entrevista, mas adoro lembrar um amigo que me procurava no lançamento de uma das edições do jornal O casulo, onde este poema saiu, e perguntou ao editor se este havia me visto. Em resposta, o editor contestou: “está roendo as sementes.” rs
A busca pela fusão e a ânsia pelos nascimentos em todos os níveis, as sementes, isso me co/move.
Deixo o poema:
Comer borboletas
1/2.
cada beijo é como comer borboletas
para que as matizes de dentro se libertem, se debatam
no assanhar das asas
entre os predicados que traquinam no diafragma
que raia em transversais contrações
ventos adverbiais
1/3.
assim que se deitou
sobre meu pé tão delicadamente
trouxe-me algo de fenda
algo de talho, latente
entre os batentes da minha janela
adentrando pelos basculantes
roendo as sementes
2.
o dia inteiro nascia dentro de mim
9-) Quem é Beatriz Bajo?
É uma mulher intensa em tudo o que faz, que não entende como concilia tanta profundidade com a necessidade urgente de transbordá-la. Alguém que adora conhecer pessoas e ideias; quanto mais desconexas, melhor. Por isso, a poesia e a sala de auditório, para os diálogos. Poeta, revisora, tradutora e professora, nesta ordem...porque é assim que aparecem por dentro. Outro caminho já buscado anteriormente e retorna agora é a interpretação por meio não apenas de palavras, mas do corpo. A encarnação da palavra agora como atriz é seu mais recente trabalho. Alguém que adora dançar e estar no meio de abraços; que tem a solidão como amiga, às vezes, mas busca os laços; que nasceu de muito amor e sabe o que isto significa; que, por enquanto, é mãe apenas de livros, mas adora a ideia de alguém que nasce de um amor sublimado entre um homem é uma mulher; que tem muita fé e procura o discernimento espiritual; enfim, que prefere vínculos duradouros e permanece acreditando na humanidade do homem.
10-) O que significa a literatura e a poesia em sua vida, você faz distinções entre a poesia e a literatura? É comum poetas afirmarem que a poesia está acima ou a parte da literatura. Como você vê essa questão?
Significa uma forma de burilar o ser. O registro é o único meio de prender-se no tempo. A palavra é imortal, é-se eterno através do texto, portanto, a literatura é a estratégia de aprofundarmo-nos no entendimento da humanidade. É por meio dela que acessamos as paixões e as aversões, os medos e as ousadias do homem de outros tempos. Portanto, a palavra é um modo de aproximar-se, sobretudo, de si mesmo já que é um espelho de todos. Dentro do espelho (literatura) vive eternamente o universo interno de todo mundo.
Poesia é maior que a literatura porque poesia é encantamento. Poesia é amar, por exemplo. Quando o amor está dominando a vida, o universo se metaforiza. Toda a beleza é poética, em tudo quanto há mágica, a poesia se manifesta. Em outra entrevista falei que poesia era o tesão da inteligência. Ainda acredito nisso. Quando atingimos o êxtase do entendimento, entramos na sala singela da poesia.
Nota: BEATRIZ BAJO (São Paulo/SP, 1980). Poeta, revisora, tradutora, professora de língua portuguesa e literatura, especialista em Literatura Brasileira (UERJ) e aluna especial do mestrado em Letras (UEL). a face do fogo é seu livro de estreia, pelo selo [e] editorial (uma parceria da Annablume com a Demônio Negro). O segundo livro, : a palavra é, foi lançado pelas editoras Atritoart e Kan, de Londrina. Traduziu o livro Respiración del laberinto, do poeta mexicano Mario Papasquiaro, pelo Coletivo Dulcinéia Catadora e trabalha atualmente com uma novela, também mexicana, pela editora LetraSelvagem.
Bia! Meus Parabéns! A entrevista começa arrebatadora; adorei a passagem de sua relação com o "dar aulas" e vc conseguiu responder o "Quem é Beatriz Bajo?" de maneira que nos motive a nos conhecer:" Alguém que adora conhecer pessoas e ideias; quanto mais desconexas, melhor. "
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