quinta-feira, 31 de março de 2011

Ademir Demarchi

Na semana passada comentei aqui o filme A mulher ideal, em que havia um padre dos mais ecléticos, pragmáticos e compreensíveis, que acolheu de forma inusitada um jovem problemático envolvendo os rituais da sua igreja para ajudá-lo a superar um problema comportamental. A coisa nesse filme é tão maluca que se poderia dizer que isso só existe no cinema, é um absurdo.

Ledo engando de quem pense assim. Há alguns dias, exatamente em 12 de março passado, em Garibaldi, no Rio Grande do Sul, em plena Igreja Matriz, um padre desses, Frei Antoninho Pasqualon, manifestou sua existência com a atitude eclética de aceitar fazer o casamento de um casal vestido de Shrek e Fiona. O casal é bem normal, ressalte-se, homem e mulher, pois hoje em dia tudo parece possível e mais um pouco.

São eles, esses gaúchos, Denise Flores, de 30 anos, e Marcelo Basso, de 39, bem madurinhos, portanto, e não somente eles como também os convidados do casamento estavam todos usando roupas do filme "Shrek”. “A gente resgatou um sonho de todos os convidados, cada um se identificou com os personagens assim como eu me identifico com o significado da Fiona, que é princesa, mas tem atitude e personalidade forte”, disse a noiva ao jornal Zero Hora.

O problema é que passados cinco dias dessa festa começaram a cair as fichas na diocese de Caxias do Sul, que emitiu um comunicado do bispo diocesano e do bispo coadjutor reprovando a cerimônia e decidindo que vai começar a orientar os futuros noivos sobre quais trajes devem ser utilizados nas cerimônias matrimoniais. Os bispos somente tiraram a bunda da cadeira onde liam seus emails porque a caixa postal ficou cheia de reclamações com perplexidade, desaprovação e preocupação em relação ao que aconteceu na Igreja Matriz, que desrespeitou a tradição católica.

Segundo eles, "o estilo usado e as fantasias não corresponderam à nossa realidade, nem a santidade e seriedade dessa celebração”. O casal, por sua vez, alegou que “o casamento foi baseado na versão clássica da história, na Idade Média, que foi quando a Igreja teve mais poder”.

Ora, isso foi somente uma variação de fantasia numa encenação teatral que já anda mais do que chata, daí a ótima ideia desses “jovens” que moldam suas cabeças não somente com laquê (opa! ainda existe isso?!?!), mas com o melhor da comédia animada contemporânea de massa vinda de Hollywood. Duvido que seria diferente se eles estivessem vestidos com aqueles ternos de pinguim, vestido de noiva de cauda de dezenas de metros e pérolas que custam os olhos da cara, mais dezenas de fotógrafos e câmeras filmando de um lado pro outro, em cima e embaixo e na frente do padre a encenação teatral que esse negócio é (negócio empresarial, há toda uma multidão de gente trabalhando nisso).

Ora, a cerimônia foi apenas mais alegre e isso basta, simplesmente porque, e é isso que os bispos de lá não entenderam, o mundo contemporâneo está completamente esvaziado dos sentidos dos rituais. Não há mais rituais, acabaram-se. Há apenas repetição esvaziada e sem sentido, encenação e espetáculo, o padre Marcelo que o diga!

3 comentários:

  1. Se a moda pega vai ter casamento de Chaves & Chiquinha , Batman & Mulher Gato, Superman & Lois Lane, Lula & Dona Marisa e por ai vai !!!!

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  2. Opa! Sei que ningém pediu minha opinião, mas vou dar mesmo assim. Discordo do Ademir quando diz que "o mundo contemporâneo está completamente esvaziado dos sentidos dos rituais". Acho que a própria cerimônia descrita acima atesta isso. Podemos não nos identificar com antigos ritos, porém, estamos - estamos não que eu não me incluo - muitas pessoas buscam novos significados em tudo e para tudo. Continuamos vivendo na época das trevas, ou idade média, como disse o noivo.

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  3. Caro Eugênio, aí é que está a questão: o rito está ligado diretamente ao sagrado, ao divino; como houve um esvaziamento do sentido de sagrado, de divino (e não foi porque Nietzsche peremptório disse que Deus morreu, mas pela banalização mercadológica de tudo), então como não há mais sacralização, há a encenação, o espetáculo. Governados pela lógica capitalista da mercadoria, podemos até aceitar a ideia de que o sentido de rito contemporâneo está na encenação teatralizada da vida, sendo Shrek, nesse caso, Deus. Assim o rito é dedicado a ele. Há quem tenha seu Deus então no Chaves & Chiquinha, em Batman, no superman e por aí vai, como disse o Sandália. abraço, Ademir

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