sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Flávio Viegas Amoreira, para o Cronópios


“E agora o sol se pós atrás dos montes”, não! não quero um enredo que comece como uma preciosa estrofe de Milton: não mais contar estórias, tudo o que vejo no mundo é argumento para os sucessivos takes minha mente onde meu corpo é um suporte literário: o que em mim pensa sente e já formata-se como que escrito. Ele não veio. Esperava-o no meu modo largado escondendo a tensão com meus pés por cima das cadeiras duma esquina precisa duma megalópole onde tudo se precipita em esquecimento: eu preciso de âncoras, o Amor não mais me sustinha, portanto restou-me a literatura. Ele não veio e assim passei aos meus cadernos de anotações: “reserva poéticas” como aprendi poeta cabaço com Maiakóvsky: ponho tudo em cadernos escolares, essas brochuras de 2 reais que preencho com aforismos, falas de filmes, rostos que passam: tudo-todo é matéria prima.

Antes o meu corpo quer dizer que sente falta: ele não vindo, afastei a mesa e pus-me escrever mais intensamente. Rua Augusta com Luiz Coelho: gosto dos tipos que entram e saem do “Espaço Unibanco”. Reli um alguns poemas de Orides Fontella na capa dura que reúne o “que há de”: mas sou esparramado, nunca me resigno e observo relógio. Ele não viria mais: uma mensagem de texto: “Melhor não hoje, preciso dum tempo”. O tempo dentro do Tempo: detesto prorrogação de sentimentos ou cancelamento de “adeuses”. Agora escrevo para vencer a bruteza do mundo: à cerveja esquentada misturo uma nova pedida ao garçom solícito: só as pessoas essenciais não se sentem nossas necessárias. Não fiquei puto: amar é um entrave ao sofrimento literário: amar demais para literatura é como ir ao supermercado com fome. Eu penso se no mundo só houvessem palavras: madrugada e álcool seriam as que melhor vestiria: seus olhos me olham, mas agora sem ele o próximo homem é só o silêncio sem letras. Entendam! estou só com uma porção de provolone e encharcando de cerveja: elas não embebedam quem foi curtido em destilado. Meu amor é um tronco forte que me foi ceifado por uma drama de concordância: impossibilidade de finalizar a frase. A maior viagem que fiz foi em direção ao amor concluído: nós éramos duas pessoas sem mais gerúndio, foi-nos dado o lugar de chegar e tudo resta findo.

A poesia entrou nos apontamentos com marcas dos meus dedos gordurosos: “Estrela errantes / azul ou vago / se eu pensasse duro uma mentira esvaziaria o mundo que me dizia ser verdade; compunha um destino para mim onde pudesse viver no inconcebível silenciamento do nada. Só os loucos tem um só motivo para sempre. Sou um desvairado original demais para ser feliz como um louco pleno: ainda espero que um dia ele me chegue. Pega-se o que se encontra ao agrado: fundo vão se denso e oco. A múltipla seiva faz-se com que a prosa alitere e o experimento molde-se poeticamente : o experimento apruma-se num leito inseguro”. Estaco meu jorro e noto que o amor está matando o motivo de escrever: agora peço mesmo que ele nunca mais volte. As coisas quando amo doem sem pesar. Não! não quero mais crepúsculo dourando os beirais dos sobrados: preciso da solitude e dum amigo que componha me ouvindo uma imensa rapsódia em conjunto: mais de dois é dramaturgia, reitero! quero compor textos que soem como enredos. Vejo os carros na altura da Bela Cintra: agora eu torno-me um escritor epidérmico: eu sou a Rua Augusta. Gravei um pensamento num marcador com efígie pétrea do rosto de Beuys, escutava a banda “Nouvelle Vague” no fone de ouvido: “Olhem menos pra frente / aspirem o instante com seu perfume inabalável de infinito”. Não penso na Eternidade, sinto agora ser a Rua Augusta e além dela o infinito... Pode-se medir uma sensação não pela duração, mas pela recorrência: “ele nunca viria” repete-se faz 30 anos em mim... ele é o errado que eu teimo em perseguir. Calculo quantos passos da estação Consolação e depois mais um tanto até o Jabaquara: a maior questão ontológica agora é calcular quanto minutos suporto sem recorrer a um banheiro de bar. Chegado o momento que minha busca do Ser é minha suportabilidade em não buscar desesperadamente mijar toda cerveja que me trouxe o nirvana e me deu lucidez suficiente para mais uma frase conexa.

A Rua Augusta escreveu por meu senso de urgência: “Sobre as coisas não explicadas restam as palavras para dizer o possível. Ávida a noite engoliu a vontade da pressa: o amanhecer será de alguém o reencontro. Hoje construí no ventre da alma um desejo de querer que mal sonhei”.

O metrô e o mar me dão mesma sensação de caminho, de fôlego e libertação. Ainda guardo a esquina: que ele não volte! Negando que ele exista erro, afirmando sua sobrevivência me anulo: escrevo o que seja ele dentro de mim.

 

1 comentários:

  1. Nossos desejos são sonhos ainda não sonhados...
    Sentimentos tem a capacidade infinita de atingir a todos. Pena eu não ser tão boa com palavras.

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