terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Alessandro Atanes

A foto abaixo, de Márcia Costa, registra exemplares de Voo de Identidade e Viaje a la lengua del puercoespín, de Óscar Limache, poeta que passou uma semana na região convidado por mim e por ela – durante viagem pessoal – a vir para cá, onde acabou realizando duas conferências sobre a literatura de seu país, uma na Biblioteca Municipal de Cubatão e outra na Pinacoteca Benedito de Santos.

À direita, balas de chicha morada acompanham os livros

Traduzido por mim, editado por Sereia Ca(n)tadora, o livro (edição bilíngue) que traz a versão em português de Vuelo de Identidad teve 51 exemplares artesanais cujas capas foram feitas com papelão catado nas ruas e elaboradas uma a uma por Ademir Demarchi, Carmem Lúcia Brandalise, Paulo de Toledo e eu; com a impressão do miolo por Marcelo Ariel, Márcia Costa e o próprio Limache; e encadernação feita por Demarchi. (Comecei a ouvir a conversa entre o visitante e Ariel enquanto dobravam miolos do Voo de Identidade que saíam da impressora lá de casa; ia ao trabalho e já lamentava perder aonde foi o papo...)

Mas o livro, esse trabalho coletivo, é a materialização de uma troca literária um pouco mais ampla que merece ter sua história contada, pois promoveu o intercâmbio de livros entre Santos e Lima, entre extremos atlântico e pacífico da América do Sul. Limache leva na bagagem a promessa de traduzir Ariel, Flávio Viegas de Amoreira, Ademir Demarchi e Paulo de Toledo. Sua ideia é montar um time de 11 “santistas” para reunir numa coletânea e aproveitar o futebol para divulgar nossa literatura.

Das prateleiras das livrarias e sebos daqui – olha só poetas promovendo o comércio santista; Limache passou pelos sebos do Brizola, Disqueria e pelas livrarias Realejo, Martins Fontes e Saraiva, de onde levou Dalton Trevisan, Oswald de Andrade, Vinícius de Morais, Moacyr Scliar, que já apresentou em Lima, Carlos Drummond de Andrade, a obra completa de Roberto Piva, um pouco mais de Mário Quintana, que vem traduzindo para o espanhol, entre outros.

Dos nomes daqui levou o Vicente de Carvalho da série Melhores Poemas, com prefácio de Euclides da Cunha, Poemas do não e da noite de Roldão Mendes Rosa, os croquis de Pagu na edição da Unisanta, Tratado dos anjos afogados de Ariel, Edoardo o Ele de nós do Flávio e 51 mendicantos do Paulo de Toledo; do Demarchi levou Os mortos na sala de jantar, Do sereno que enche o Ganges e Passeios na floresta. Aqui em casa, Márcia apresentou Limache a Manoel de Barros e ele acabou levando um volume com a obra completa (e lamentando que não conseguisse nunca traduzi-lo ao espanhol). Foi aqui também que ele ouviu Santos Football Music e Beba Coca-Cola de Gilberto Mendes. De Flávio recebeu um exemplar do romance Mestiços da Casa Velha, de Lucius de Melo, e de Ariel um livro de Ronald de Augusto e outros mais.

E agora, Limache, como colocar a pilha na mala?

De Demarchi recebeu ainda livros de Douglas Diegues, Ronald Augusto, Cândido Rolim, Ronaldo Machado, Solivan Brugnara, dois de Carlos Drummond de Andrade, Nauro Machado, dois de Olga Savary, Heitor Ferraz, Tarso de Melo e Lau Siqueira; as revistas Sibila, quatro números da Babel e ainda a Coyote, além das edições eletrônicas dos dicionários Houaiss e Aurélio, que se unem na biblioteca de Limache a uma edição impressa deste último. Durante a conferência na Pinacoteca ainda recebeu de Márcio Barreto um livro artesanal, de uma edição com tiragem de 1 exemplar. 

Lá esses livros e revistas serão lidos por um grupo de tradutores amadores, outros professores e estudantes, que se uniram pelo gosto de literatura brasileira. O próprio Quintana e Drummond são os mais procurados, mas como traduções de poesia brasileira não são publicadas por lá desde a década de 80, os nomes aí acima darão um bom panorama, ainda que incompleto, da literatura nacional contemporânea.

De lá para cá
De Lima para Santos vieram a terceira edição em espanhol de Vuelo de identidad, que me permitiu começar a traduzir a obra para o português, e dezenas de exemplares de Viaje a la lengua del puercoespín. Limache ainda presenteou a Biblioteca de Cubatão, além dos dois, com os livros Balada de la piedra que canta, de Juan Pablo Mejía, e uma edição feita no Peru de Las palabras del Rímac, do mexicano Felipe Mendoza, livro que faz uma homenagem ao Rio Rímac, que corta a cidade de Lima. Entre as revistas, ficou a quarta edição de El jinete de la tortuga (O cavaleiro da tartaruga), formada por um exemplar de narrativas e outro de poesia. No de poesia, há poemas de Quintana traduzidos para o espanhol por Limache. O mesmo “pacote” foi distribuído a escritores e pessoas que conheceu. Sua ida a Cubatão representou a primeira atividade internacional da Biblioteca Pública.

Ainda que para a biblioteca aqui de casa, vieram também para cá uma reunião de narrativas e a Obra Poética de César Vallejo, a Poesía Reunida de Javier Heraud, 5 metros de poemas de Carlos Oquendo de Amat, Poesía de Antonio Cisneros, Vox Horrísona de Luiz Hernández, Mañana con el alba de Juan Parra del Riego, as coletâneas Vuelta a la otra margen, de vanguardistas dos anos 30, e Estos 13, de 1973, com poetas que começaram a publicar na década de 60, uma reunião de contos de Julio Ramón Ribeyro publicadas pela editora espanhola Cátedra (muito útil, porque tem notas explicando os americanismos e peruanismos). Trouxemos ainda uma Revista Historica da Academia de Letras e exemplares de duas outras: um número da revista anual Un vicio absurdo, da Universidad de Lima, e dois da Libros y artes, da Biblioteca Nacional del Perú, além de alguns folhetos de museus e o catálogo Territorios, do artista plástico Alejandro Mojica. Esses volumes se unem a uns 80 outros de literatura e crítica hispanoamericana (a biblioteca do Demarchi deve ter ainda quatro vezes mais isso). Fica aqui a promessa de tradução de mais alguma coisa disso tudo, começando por Javier Heraud, Luiz Hernández e Felipe Mendoza.

Epílogo
Sabemos todos que as coisas poderiam se dar de outra forma, que tivéssemos conhecido outras pessoas e estas viagens não tivessem ocorrido. Que diferença faria no mundo das letras? Provavelmente, quase nada. Mas o tempo se acumula e crescem as chances de que as coisas aconteçam. Foi o que houve.

No último dia de viagem, na Livraria Cultura da Avenida Paulista, Limache encontra enfim tesouros que procurava desde sua primeira visita ao Brasil: a Poesia Completa de Drummond, em três volumes de bolso, e Orfeu Negro, adaptação cinematográfica feita em 1959 da peça Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes, com trilha sonora de Tom Jobim e do próprio Vinícius. Que a pequena biblioteca brasileira que levou daqui lhe ofereça outros motivos para novas buscas literárias em nossa cidade. Afinal, o time tem que estar completo...

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