quinta-feira, 28 de abril de 2011

Alessandro Atanes, para o Porto Literário do Portogente

A partir da próxima quarta-feira (04/05), inicio a oficina Conheça Santos por meio da Literatura, que acontece no Fórum da Cidadania e Cultura de Santos, no litoral paulista (clique aqui para obter mais detalhes).
Por causa disso e da releitura de alguns livros para preparar o material para o curso, o Porto Literário de hoje retoma uma das obras que mais rendeu textos nos já quase seis anos deste espaço, Navios Iluminados, romance de Ranulpho Prata, escritor que chega a Santos em 1927 para atuar como médico pneumologista da Santa Casa. Sergipano de nascimento (Lagarto, 1896), ele publica seu primeiro livro em 1918. Termina os estudos de Medicina no Rio de Janeiro entre 1920 e 1921, período em que conhece Lima Barreto no hospital em que este estava internado, já perto da morte, onde o jovem médico escritor torna-se amigo de uma das principais figuras da literatura brasileira. É em sua obra que Prata se espelha para publicar anos depois, em 1937, Navios Iluminados, o primeiro romance a tratar do Porto de Santos e dos moradores do bairro do Macuco que vivem à beira do cais.
Mas o assunto do dia não é a história que lemos no livro, do que ocorre com seus personagens. Ao invés disso, trata-se de uma breve história do próprio livro, desde sua primeira edição.
I
Ranulpho Prata não publicava ficção desde que havia se mudado para Santos. Além da Santa Casa, clinicava também na Beneficência Portuguesa, no ambulatório que atendia estivadores e em seu próprio consultório, experiência que serviu de base para algumas das cenas do romance.
A trajetória de José Severino de Jesus, migrante do sertão baiano que tenta a vida como estivador no Porto, é publicada pela editora José Olympio, do Rio de Janeiro, a mesma que publicaria no ano seguinte Vida Secas, de Graciliano Ramos, com a trajetória do retirante Fabiano e sua família. Além da editora, as duas obras têm em comum protagonistas em completo despreparo para lidar com o meio social, não importa se o do sertão ou o cais.
O livro traz duas dedicatórias: “A Martins Fontes, que não morreu para mim” e “A Oscar Prata, irmão e amigo”. A edição traz ainda uma lista das obras anteriores de Prata e, nas páginas finais, o nome e o endereço da gráfica onde a editora imprimiu o livro em dezembro de 1937.
II
A segunda edição do livro sai apenas três anos depois, e em Buenos Aires. Vapores Iluminados é publicado pela editora Claridad como o sexto volume da coleção Biblioteca de Romancistas Brasileiros, que já havia lançado Coelho Neto, Gastón Cruls, Lúcio Cardoso, Herman Lima e Jorge Amado. A tradução é de Benjamin de Garay, que já havia transposto para o espanhol Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Garay é também autor do prefácio em que apresenta a obra ao público latino-americano. Para isso, ele compara a busca por trabalho no porto à promessa do Eldorado tão presente na cultura hispano-americana. A tradução é minha:
Agora as multidões ávidas por fortuna já não correm em posse da cidade mítica, onde as casas se revestem de metais preciosos e onde as crianças brincam nas ruas com pepitas de ouro ou pedras de carbonatos e diamantes. Não. Vão aos grandes portos, de onde saem e aonde chegam todas as riquezas do mundo, nas barrigas dos grandes navios iluminados, que nas noites se balançam sobre as águas do mar como fantásticos palácios de fadas. Para lá vão em busca de trabalho, à conquista de dinheiro, incitados por um tenaz afã de bem-estar. Uns triunfam, porém os demais caem triturados pela engrenagem sem piedade da sociedade moderna.
III
A segunda edição em português é publicada pelo Clube do Livro em 1946, quatro anos após a morte de Ranulpho Prata. Ela traz uma nota que apresenta o livro e dá início ao quarto ano de atividades da editora, com representações em 15 capitais e mais de 150 cidades em todo o país, reunindo 18 mil associados, o que dá uma informação sobre o mercado editorial naquele momento.
Em seguida, Silveira Bueno, intelectual, autor de dicionários, apresenta um breve perfil do autor do romance e, em seguida, faz alguns comentários sobre a obra. Já no final do texto, ele destaca a formação médica de Prata como fundamental para seu estilo:
O laboratório do médico educara os olhos do artista para tudo ver na medida exata da verdade, embora a fantasia do escritor atenuasse um pouco a crueldade dos episódios. Por isto, as páginas de Ranulpho Prata são vívidas, reais, sentindo-se a emoção da vida que delas se desprende, ora queimando como acontece a quem se debruça a contemplar um corpo em febre, ora enregelando como sucede aos que de perto observam as coisas mortas.
IV
A edição seguinte é lançada no Rio de Janeiro em 1959 pelas Edições O Cruzeiro. É o 20º volume da Coleção Contemporânea, que já havia publicado Lucio Cardoso, Lygia Fagundes Telles, Josué Montelo e Lêdo Ivo. A orelha do livro traz texto livro sem assinatura da qual destaco o seguinte trecho:

Embora seja Ranulpho Prata um admirável paisagista e fixador de costumes, que recria neste livro, em traços luminosos, o complexo panorama do maior porto do Continente, é no elemento humano que melhor se afirma sua arte e intenção. É um escritor sempre voltado para o destino humano, consubstanciado em dor e alegria, amor e sofrimento – e tanto sabe surpreendê-lo em sua expressão individual como em seu sentido comunitário, no qual o homem, ligado aos seus semelhantes, é o elo de uma cadeia de lutas e aspirações comuns.
V
A edição mais recente do livro é de 1996, no centenário de nascimento de Ranulpho Prata, publicada pela Prefeitura de Santos em conjunto com a Editora Scritta quase 40 anos após a edição do Clube do Livro. Também em texto publicado na orelha, o prefeito da cidade à época, David Capistrano, faz um comentário semelhante:
Com sua sensibilidade e seu gosto pela descrição, Ranulpho Prata nos deixou um expressivo painel da sociedade santista, que, apesar do tom marcadamente social, não se esgota na denúncia, trabalhando com êxito o retrato psicológico, a ambientação detalhista e a crítica de costumes.
Pós Escrito
Procurando por informações sobre o livro em espanhol, achei na internet uma vez indícios ainda de outra edição feita em Buenos Aires, nos anos 70 do século passado, só que em braile, também como parte de uma coleção.
Ainda me falta um exemplar dessa.

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