quinta-feira, 14 de abril de 2011

Alessandro Atanes *

O caderno Ilustríssima publicou no domingo (10/04) entrevista com Joseph Nye, assessor para defesa e diplomacia de Joseph Carter e Bill Clinton, dois governantes dos Estados Unidos (1977-1981 e 1993-2001), na qual fala sobre uma nova diplomacia, aquela que vem sendo feita também por grupos de interesse e afinidades e pelas próprias populações dos países. Após relação EUA-China, reformulação do Conselho de Segurança da ONU, soft power e outros temas candentes da pauta internacional, a repórter da Folha de S. Paulo Luciana Coelho pergunta:

Qual o sr. acredita ser a principal mudança da diplomacia neste século?
[Joseph Nye:] O fato de a diplomacia não ser mais só feita entre governos. A diplomacia agora é feita entre governos e populações em diferentes países, ou mesmo entre as populações em si. Isso amplia muito o contexto dentro do qual os países se relacionam. Estamos chegamos a um nível muito mais complexo de diplomacia.

I
Essa resposta me faz retomar assunto recente, o intercâmbio de livros entre as cidades de Santos e Lima (aqui), da qual fui testemunha e participante entre outubro e novembro do ano passado. Dezenas de títulos de livros inéditos em português e revistas literárias vieram de Lima e aqui na Baixada estão divididas entre bibliotecas privadas e a Biblioteca Municipal de Cubatão, onde o poeta peruano Óscar Limache, que trouxe parte desses livros, deu uma conferência em novembro de 2010.

Daqui para lá, a lista incompleta do que consegui registrar na ocasião sugere que seguiram para Lima mais de cem livros:

Das prateleiras das livrarias e sebos daqui – olha só poetas promovendo o comércio santista; [o poeta Óscar] Limache [que esteve em Santos em novembro] passou pelos sebos do Brizola, Disqueria e pelas livrarias Realejo, Martins Fontes e Saraiva, de onde levou Dalton Trevisan, Oswald de Andrade, Vinícius de Morais, Moacyr Scliar, que já apresentou em Lima, Carlos Drummond de Andrade, a obra completa de Roberto Piva, um pouco mais de Mário Quintana, que vem traduzindo para o espanhol, entre outros.

Dos nomes daqui levou o Vicente de Carvalho da série Melhores Poemas, com prefácio de Euclides da Cunha, Poemas do não e da noite de Roldão Mendes Rosa, os croquis de Pagu na edição da Unisanta, Tratado dos anjos afogados de [Marcelo] Ariel, Edoardo o Ele de nós do Flávio [Viegas Amoreira] e 51 mendicantos do Paulo de Toledo; do [Ademir] Demarchi levou Os mortos na sala de jantar, Do sereno que enche o Ganges e Passeios na floresta. Aqui em casa, Márcia [Costa] apresentou Limache a Manoel de Barros e ele acabou levando um volume com a obra completa (e lamentando que não conseguisse nunca traduzi-lo ao espanhol). Foi aqui também que ele ouviu Santos Football Music e Beba Coca-Cola de Gilberto Mendes. De Flávio recebeu um exemplar do romance Mestiços da Casa Velha, de Lucius de Melo, e de Ariel um livro de Ronald de Augusto e outros mais.

Mais do que os encontros, afinidades e conversas entre poetas e intelectuais das duas cidades, o que fica é o número comensurável de livros trocados por causa destas relações que ainda acabarão sendo lidos por outras pessoas. Isso sem contar os 51 exemplares em edição bilíngue confeccionados artesanalmente em Santos pela editora Sereia Ca(n)tadora do livro Vuelo de identidad/Voo de Identidade, de Limache (imagem ao lado).

Isso é o que parece quando o entrevistado da Ilustríssima fala de diplomacia “entre as populações em si”. Foi o que fizemos.

II
Em uma mensagem nas discussões culturais on line em 27 de março, o próprio Demarchi já havia notado algo nesse sentido depois da passagem pela Pinacoteca no dia anterior do poeta português Luis Serguilha, que, por sua vez, divulga poetas brasileiros em seu país:

Fui à Pinacoteca no sábado onde houve encontro com o escritor português, poeta, Luis Serguilha, que tem ideias muito interessantes e instigantes sobre estética e com o qual já tenho um diálogo profícuo há algum tempo, assim como outros escritores importantes da Baixada, como Marcelo Ariel e Flávio Viegas Amoreira, que o convidou e que tem feito um grande esforço para a manutenção desse espaço de debates, pelo qual já passaram recentemente importantes artistas/escritores da região como Edson Amâncio, Neyde Veneziano e Óscar Limache [que esteve na Pinacoteca após a conferência de Cubatão], escritor peruano que, com Serguilha, serve para chamar a atenção de todos vocês para um fato que se soma a estes outros que temos vivenciado na área da cultura: a literatura da região já não é mais puramente local, já está, mais que nacionalizada, internacionalizada, em diálogo com escritores e artistas de todo o país e estrangeiros, promovendo uma importante circulação e oxigenação de ideias...

Ao lado de outras ações deste porte, estes dois episódios postos lado a lado revelam que o intercâmbio internacional não ocorre na cidade só em eventos de grande escala, bienal como o Festival Mirada, importantíssimo com a diversidade de espetáculos e discussões sobre o teatro latino-americano, ou, pelo lado do mercado, a Tarrafa Literária e os convidados da temporada editorial.

Ele também é muito fértil quando ocorre no dia-a-dia, diretamente entre as pessoas que criam relações e compartilham ideias, visões de mundo, técnicas criativas e táticas de resistência, exatamente como o pensador françês Michel de Certeau descreve em A invenção do cotidiano. Volume 1 Artes do Fazer.

Santos cultiva uma tradição cosmopolita (Neruda, Bishop e Kipling, entre outros, escreveram sobre chegar a esta esquina do mundo), e talvez deste cultivo tenha agora a cidade, seus poetas e intelectuais condições de exercer esse papel na nova diplomacia entre os países do mundo. Flávio Viegas Amoreira sempre lembra que estamos fadados ao cosmopolitismo. É por aí.

* Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.

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