segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ademir Demarchi

Joseph Conrad se tornou um clássico por narrar as aventuras de marinheiros e capitães de navio em viagem pelos 7 mares no século 19. Sem seus relatos não conheceríamos aquele mundo como o conhecemos. Ele mesmo foi marujo nessa época em que o comércio entre diferentes pontos do globo se intensificava com a criação de rotas fixas de navios de passageiros e mercadorias, acumulando histórias para seus livros.

Coppola fez um filme notável com um romance de Conrad, No coração das trevas, que transpôs para a Guerra do Vietnã em Apocalipse Now. Nele o absurdo do colonialismo do século 19 se encontra com o absurdo do capitalismo colonialista do século 20.

O mundo visto por Conrad naquela época é aventuroso de um modo que não é mais possível hoje, com gente de todo tipo indo e vindo em busca de riqueza e com as informações e comunicações demorando meses para ir de um lado a outro de navio.

Li agora O fim das forças, em que ele narra a história de um velho marujo, capitão de marinha mercante, viúvo, de caráter íntegro, de honra exemplar e responsável (“nunca perdeu um navio”), um personagem típico de Conrad. Tudo que lhe resta para dar sentido à vida é uma filha que é a lembrança fiel da mulher que amou, o que motiva os maiores sacrifícios para reencontrá-la uma última vez como se fosse sua própria mulher.

O marido dela é um fraco, “finalmente, como se estivesse apenas esperando aquela catástrofe, o azarado, lá longe, em Melbourne, abandonou seus negócios não lucrativos e sentou-se – numa cadeira de rodas”. "Ele nunca mais vai andar", escreve-lhe a filha e pede dinheiro para abrir uma pensão, algo escandaloso para o velho capitão, pois isso, para ele, é algo como o fim da linha. Mas fica tocado e vende seu pequeno barco, um brigue que sobrou para ganhar a vida depois de ter perdido tudo numa falência bancária. Constrangindo, dizia ser para seu “lazer de aposentado, para brincar com ele, seu último comando”, como o apresentava aos amigos em vários portos.

Conrad é exímio ao retratar o velho mundo colonial através desse capitão, dos mercadores com os quais lida, os marujos que os cercam e, com isso, expressa a mentalidade daquela época, em que os brancos dominavam o comércio e as rotas marinhas, se contrapondo aos outros que lhes são estranhos, asiáticos, chineses, negros e toda sorte de gente que se enquadra de modo simplificado por oposição aos brancos, que reclamam que eles são “incapazes de compreende-los”.

A assertiva no entanto é mais verdadeira para os brancos, pois os de pele escura se adaptam rapidamente às regras e encaram o trabalho duro com naturalidade, assim como a estranheza e rudeza dos  brancos. O velho capitão, que trata a todos com distinção, é quem humaniza esse tempo.
Vendido seu barco, ajuda a filha e reinveste uma parte num navio velho cujo dono é o chefe de máquinas, que o comprou com um prêmio de loteria, jogo em que é viciado e em que gasta tudo o que o navio arrecada. A situação é inusitada, pois o dono do navio é um subordinado ao capitão, originando-se daí diversos conflitos que culminarão com o clássico e dramático afundamento do navio com seu capitão, que não o abandona apesar de poder faze-lo, preferindo ser fiel aos seus valores morais.

A editora escolheu o título O fim das forças pinçado numa carta do velho capitão, informando que se trata de uma expressão corrente em inglês que corresponderia a “O fim da corda”, “inexistente no Brasil”. Ora, em se tratando de uma ficção sobre o mar, a tradução natural seria “O fim da linha”, usada na pesca, para referir-se a um peixe de difícil pesca, que morde a isca, mas ao qual se precisa dar linha para cansa-lo, até captura-lo. O velho capitão, como metáfora de sua vida, vai esticando a linha, até que ela chega ao fim.

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