quarta-feira, 13 de abril de 2011

Abaixo, entrevista que concedi a Isabel Furini, do blog Recanto das Letras, em outubro, quando estava no Peru, de férias, e Mario Vargas Llosa foi premiado com o Nobel de Literatura. Além de reportar o clima que reinava no país durante o anúncio, vale repetir a entrevista por causa das afirmações de MVL sobre a literatura como forma de conhecimento do mundo. A ver:

Do Peru: Vargas Llosa e o impacto do Prêmio Nobel 14/10/2010

Ficamos curiosos para conhecer a reação dos peruanos e do mundo diante a eleição de Mario Vargas Llosa para o Prêmio Nobel de Literatura 2010.

O entrevistado na Biblioteca Mario Vargas Llosa,
no térreo da Casa da Literatura Peruana
O jornalista Alessandro Atanes está visitando Peru e sua viagem coincidiu com a escolha de Vargas Llosa para receber o Prêmio Nobel de Literatura deste ano. Ele é o sexto latino-americano ganhador do Nobel.

Lembremos que Chile foi agraciado duas vezes, em 1945, a poeta Gabriela Mistral e, em 1971, o poeta Pablo Neruda. Miguel Angel Astúrias, da Guatemala, um nome quase desconhecido nas letras da América Latina, foi premiado em 1967. Em 1982, foi a vez do romancista Gabriel Garcia Marquez. Em 1990, o prêmio ficou no México, com o poeta e ensaísta Otávio Paz.

Não podemos deixar de citar Rubén Dario, da Nicarágua, considerado o maior poeta hispano-americano, foi esquecido pela Academia, também foram esquecidos Amado Nervo, Jorge Luis Borges e outros.

1) Alessandro, queremos saber qual é o clima do povo do Peru neste momento. Eles estão entusiasmados com a nomeação de Mario Vargas Llosa ou receberam a notícia com ndiferença? Bem, na sexta-feira, dia seguinte ao anúncio, estava em Trujillo, ao norte de Lima, e nove de dez jornais traziam o Nobel como manchete. Só os jornais de esporte e de notícias policiais estavam com outros assuntos.
Ontem, o poeta Óscar Limache, que é professor de leitura para crianças e adolescentes em uma escola do bairro Miraflores, aqui em Lima, me disse que quando entrou na sala de aula na manhã de sexta-feira seus alunos estava empolgadíssimos e orgulhosos, falando coisas assim: "o senhor viu que ganhamos o Nobel". Mais tarde ele me disse que o Peru tem uma identidade forjada na derrota, principalmente por causa das derrotas na guerra contra o Chile, mas também pelos insucessos no esporte. Parece que o Nobel oferece ao país um gostinho de Campeão Mundial. Eu, pessoalmente, trocaria uma da cinco Copas do Mundo vencidas pelo futebol brasileiro por um Nobel de Literatura.

2) E qual foi a reação dos escritores, dos intelectuais peruanos?
Tudo que li nos jornais foi positivo. O que Limache me disse também. Há uma esperança de que a literatura peruana em geral ganhe uma vitrine com o prêmio a Vargas Llosa. Mesmo os que discordam de suas inclinações políticas dizem que o Nobel foi merecido.

3) Alessandro, a obra de Vargas Llosa não é considerada renovadora como foi, por exemplo, a obra de Jorge Luis Borges, Pablo Neruda ou Roberto Bolaño, isso é mencionado nos jornais do Peru, ou eles acham a obra de Vargas Llosa renovadora? Não sei exatamente o que é renovador. Borges não fazia experimentos de vanguarda, sua linguagem é límpida, concisa e direta. Sua idéias literárias é que renovam. Roberto Bolaño deu uma sacudida também nos temas da literatura do continente, que estava desde os anos 60 enraizadas no realismo mágico ou na literatura de testemunho contra as ditaduras militares. Na verdade, não sou um pesquisador da obra literária de Vargas Llosa, li apenas "A cidade e os cachorros", mas a crítica aponta uma série de sucessos em vários gêneros, escreveu teatro, romances, contos, sempre com diversas técnicas narrativas, sempre apropriada para cada relato. Tenho acompanhado com atenção seus textos sobre o fazer literário, nos quais ele defende a literatura como uma forma de conhecimento do mundo mais rica e completa que a ciência ou a política e como manifestação universal, um denominador comum entre os povos do mundo.

4) Qual é a reação do mundo? Os literatos de outros países apoiam a escolha?
Não tenho como responder essa questão daqui, mas ontem, o crítico literário de A Tribuna, Alfredo Monte, criticou que no Brasil a conquista está sendo celebrada pelos jornais como se fosse para suas crenças políticas. Isso é um desrespeito ao autor. O próprio Vargas Llosa disse que espera ter sido premiado por seus livros e não por suas idéias políticas.

5) O que você nos pode dizer de Vargas Llosa, especialmente de sua obra?
Sua idéia de literatura como conhecimento do mundo tira da manifestação literária qualquer coisa que tenha de acessório. É uma afirmação que deve ser repetida continuadamente em um momento em que o mercado editorial prega a publicação de almanaques de diversão rasteira.

6) Qual outro escritor latinoamericano, na sua opinião, tem chances de ganhar o Nobel de Literatura?
Bem, sou historiador da leitura, pesquiso o que ocorreu com ela. Não fico à vontade com previsões. Só posso afirmar que se Bolaño estivesse vivo seria um nome possível. Mas como nem Borges ganhou o prêmio, não sei se vale a pena discutir isso.

7) E o Brasil? Qual será o escritor que tem chances de ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura?
O maior problema é que nossos autores são pouco traduzidos (com a exceção de Paulo Coelho, para mim um fenômeno sociológico, não literário). Clarice Lispector está fazendo sucesso em inglês, mas divide o mesmo problema de Bolaño, está morta; Milton Hatoum ainda está em seu quinto ou sexto livro, ainda falta uma obra-prima; Chico Buarque tem nome, mas não sei se sua obra literária se consolidará como sua música. Acho que nosso principal
problema agora não é pensar em Nobel, mas combater a autoajuda, fazer a criançada e os jovens lerem mais (dos adultos nem vou falar, temos que pensar na próxima geração). Harry Potters, Códigos da Vinci e até Paulos Coelhos podem se configurar como portas de entrada para a leitura, mas vejo como um sério problemas que a leitura não avance além disso. Temos
que combater também a idéia de que tudo tem que ser fácil, pensamento irmão daquele que afirma que povo gosta de coisa ruim mesmo. Tenho ouvido isso muito de editores caça-níqueis e de divulgadores da História: como sabemos, tem jornalista ficando rico reunindo informação coletadas em pesquisas de anos feita por historiadores – afirmo isso como jornalista de
profissão.

Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município. Além de um dos editores da Revista Pausa, mantém a coluna semanal Porto Literário no site www.portogente.com.br.

1 comentários:

  1. Pô, legal essa entrevista. Os blogs estão dando de lavada na mídia corporativa. Sem chefe, sem rabo, sem jaba, mas com puta conteúdo. Como dizia Gil Scott Heron: "The revolution will not be televised". Abraços.

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