Ademir Demarchi
Chacal, poeta carioca que ficou conhecido como um dos grandes articuladores da assim denominada poesia marginal que impregnou os anos 70, está completando 60 anos neste 2011.
Vida longa para Chacal!
Para comemorar ele publicou no ano passado o livro de memórias Uma história à margem, pela Editora 7Letras, em que conta o que foi a odisseia de sua vida dedicada à poesia, especialmente em espaços notáveis como o CEP 20.000, o Circo Voador, a ocupação do Espaço Cultural Sérgio Porto.
São memoráveis suas inúmeras viagens poéticas, lisérgicas, alcoólicas, sempre marcadas pela oralidade poética em interação direta com o público. Ele, nessa onda pela arte esteve ao lado de nomes como Waly Salomão, Torquato Neto, Asdrúbal Trouxe o Trombone, Manhas e Manias, Guilherme Zarvos, Lobão e uma infinidade de artistas e poetas malucos. Eles povoaram o Rio de Janeiro do desbunde dos Anos 60, ao pós desbunde dos Anos 70 e sua ressaca verde oliva. Aqui cabe um poema dessa época: “É PROIBIDO PISAR NA GRAMA – o jeito é deitar e rolar”.
O desdobramento disso deu na caretice anunciada nos Anos 80, que se prolonga até hoje num ar que remete ao anglosaxonismo exaltador do trabalho e do acúmulo de bens em que não há espaço para a loucura, para a arte, para a poesia, mesmo que se esteja dando dinheiro para ela existir ou ficar quieta.
Num de seus memoráveis poemas, publicado no livro Suvaco de Cristo, em 1989, ele traduziu bem o que foi essa geração: “saúde não se vende/ loucura não se prende/ quem tá doente/ é o sistema social”. A determinação em viver de arte, de poesia, mesmo que à margem da sociedade economicamente controlada, ou seja, duro e a duras penas, a disposição assumida de não engrossar o coro dos contentes, de não ser um operário embrutecido pelo sistema, marcam sua obra poética. Sua poesia é caracteristicamente para ser lida em voz alta, em palcos, em contato com o público e apenas em 2007, depois de décadas e de 35 livros improvisados, muitos feitos por ele mesmo, é que obteve um reconhecimento à altura de sua lida: seus livros marginais foram reunidos num belo volume publicado pela Cosacnaify e 7Letras sob o título de Belvedere, encapado em linho verde e com a edição facsimilar de Quampérius, um simpático livrinho da época de ouro da poesia marginal.
Belvedere se somou, na Coleção Ás de Colete (nome tirado de um livro de outro marginal notável, Zuca Sardan), aos livros de Cacaso e Francisco Alvim, numa espécie de enaltecimento em alto estilo a esses poetas, feito por outros poetas editores, Augusto Massi e Carlito Azevedo. Suas memórias vão da improvisação do mimeógrafo nos Anos 60 à superprodução endinheirada promovida pelas indústrias de cigarro, como os eventos Freezone, que assimilaram os malucos no início deste novo século para tentar escapar à proibição da propaganda.
Mas não se pense que ao fazer 60 anos o ímpeto de Chacal diminuiu. Ele mesmo lembra, através de um dito de Ronaldo Bastos, do grupo Nuvem Cigana, que “Enquanto houver bambu, tem flecha”.
Ler essas memórias, aproximar-se desse tempo, tem um pouco dum poema de “Creme de lua”: “- Olha a passarinhada! / - Onde? – Passou.”
Passou mas existiu.
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