terça-feira, 1 de junho de 2010

Alessandro Atanes

No sábado (29), no encerramento do seminário Literatura: por quê, José Miguel Wisnik (voz) e Arthur Nestrovsky (violão) estiveram no Sesc Santos para mais uma audiência de sua aula-espetáculo-palestra-show em uma trama envolvendo MPB e futebol.

Wisnick, compositor e professor de Teoria Literária, falou ao público, entre outras coisas, sobre como a letra de O Futebol, de Chico Buarque, mimetiza os movimentos dos jogadores que ela descreve, tornando a canção não só um elogio a grandes jogadores, mas a própria tradução de suas jogadas em formato canção (clique aqui para ouvir):

O futebol

Para estufar esse filó
Como eu sonhei

Se eu fosse o Rei
Para tirar efeito igual
Ao jogador
Qual
Compositor
Para aplicar uma firula exata
Que pintor
Para emplacar em que pinacoteca, nega
Pintura mais fundamental
Que um chute a gol
Com precisão
De flecha e folha seca

Parafusar algum joão
Na lateral
Não
Quando é fatal
Para avisar a finta enfim
Quando não é
Sim
No contrapé
Para avançar na vaga geometria
O corredor
Na paralela do impossível, minha nega
No sentimento diagonal
Do homem-gol
Rasgando o chão
E costurando a linha

Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um
Senhor chapéu
Para delírio das gerais
No coliseu
Mas
Que rei sou eu
Para anular a natural catimba
Do cantor
Paralisando esta canção capenga, nega
Para captar o visual
De um chute a gol
E a emoção
Da idéia quando ginga

(Para Mané para Didi para Mané Mané para Didi para Mané para
Didi para
Pagão para Pelé e Canhoteiro)

Mas essa ligação que o futebol mantém com a canção popular (não é difícil lembrar de três, quatro, cinco ou mais outras canções da MPB que tratam do tema) não se repete em relação à ficção. O próprio Chico Buarque ainda não se debruçou sobre o tema em seus livros.

Perguntei isso a Wisnik, autor do ensaio Veneno remédio, o futebol e o Brasil, e ele me disse que não tem resposta para isso além da hipótese de que a própria dimensão de espetáculo que o futebol carrega em nosso país impeça de alguma maneira que outras formas de narrativa se apropriem do jogo, algo que só a força da canção popular conseguiu.

Nesse momento, me lembro de dois escritores chilenos, um consagrado e outro em consagração, que voltaram sua atenção para o tema: Pablo Neruda, em Santos Revisitado (1927-1967), narra sua entrada no Porto de Santos em um navio onde se comenta que "Pelé é um super-homem". Não é muito, só um verso, mas, salvo engano, é mais do que nossos consagrados das letras já escreveram sobre o Rei do Futebol.

Roberto Bolaño, autor do para mim já um clássico Os detetives selvagens, tem um conto, Buba, publicado no livro Putas assassinas, em que um atacante chileno, ao lado de um argentino, chega para jogar em um grande clube de Barcelona (qual será, hein?) e ali os dois conhecem Buba, um meia africano que envolve os dois jogadores latinoamericanos em um ritual de sangue, após o qual disparam na colocação do campeonato nacional, que acabam conquistando, além da própria Champions League, a competição continental.

Apesar do estereótipo do pacto de sangue, o conto na verdade é sobre a adaptação de um ltinoamerciano a uma cidade como Barcelona, o que vale tanto para os jogadores com seus contratos milionários quanto para os subempregados que tentam a vida por lá.

Referências:
Pablo Neruda. A Barcarola. Tradução de Olga Savary. 2ª edição. Porto Alegre: LP&M, 2007 (1ª ed 1967).

Roberto Bolaño. Buba. In: Putas assassinas. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


1 comentários:

  1. Alessandro, em primeiro lugar, a revista é fantástica. Quantos textos de qualidade! Depois, obrigado pela visita ontem. E, pensando no que li, acho que os dois textos sobre a aula-show se completam. Sem querer, mas se completam. Parabéns pela revista. Estarei sempre por aqui. Grande abraço a todos!

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