quarta-feira, 9 de junho de 2010

Alessandro Atanes

Na sexta-feira do dia 28, após um passeio de escuna, recebi da jornalista e escritora Madô Martins um exemplar de Doce Destino (1999) e seus poemas. Na ocasião, havia acabado de tomar parte em um espetáculo navegante concebido a partir de alguns poemas que navegam já há alguns anos na coluna Porto Literário, que assino no site PortoGente. Madô de indicou um poema que ainda não fazia parte de minha biblioteca poética-portuária, Raízes:

Moro numa cidade
com sete canais
que garças sobrevoam.
Nessas veias abertas
corre o mar.

Moro numa ilha,
que é também um porto,
Boiando no Atlântico.

Moro no Sul
e jamais migro.
Procuro mensagens em garrafas,
na areia da praia,
mas só encontro conchas e maresia.

Não trato aqui apenas de qualidade estética, sempre procuro esclarecer: Porto Literário não é um espaço de crítica literária, é uma coluna em que busca traçar relações entre a identidade histórica de Santos e sua produção ficcional e poética, tanto a realizada aqui quanto a que tem o porto e a cidade como cenários. E, para isso, o poema de Madô Martins se mostra um compêndio, tanto da tradição de Roldão Mendes Rosa, Rui Ribeiro Couto e Narciso de Andrade, quanto da produção mais atual de Alberto Martins (seu livro Cais é de 2002) ou Flávio Viegas Amoreira (Escorbuto – Cantos da Costa é de 2005).


Fotografia de Edu Marin publicada em Porto, Valongo, Mont-Serrat

O título do poema de Madô nos leva diretamente à sensação de pertencimento. A primeira estrofe revela a natureza de pertencer a uma cidade cercada e cortada pela água do mar. A segunda estrofe identifica a ilha ao porto e lhe dá sua dimensão (“boiando no Atlântico”).

Os dois primeiros versos do trecho final (“Moro no Sul / e jamais migro.”) retomam o tema da nostalgia portuária, dos poetas que testemunham os navios partindo, mas que não partem em nenhum, que conhecemos de Narciso (“Com tanto navio para partir / minha saudade não sabe onde embarcar”) e Roldão (“Por que / este amor ao cais / se o que espero não viaja?”).

O terceiro e quarto versos (“Procuro mensagens em garrafas, / na areia da praia”), porém, sugerem uma imagem romântica que acaba sendo desmentida no verso final (“mas só encontro conchas e maresia”). O “só encontro” aponta para outro lado, indica um porto menos imponente e mais precário – ideia reforçada até pelo uso do “só” no lugar de “somente”.

A essa desolação se dedicariam um pouco depois as poéticas – no mais bastante diferentes – de Martins (“e o casco? / É úmido. Está coberto / de cracas e a ferrugem / que rói as chapas / rói a carga”) e Amoreira, cujo título “Escorbuto” remete diretamente à precariedade.

O poema de Madô funciona e ganha força poética aí, nessa pequena operação, que registra a mudança de uma sensibilidade em relação ao porto, que talvez seja a da própria cidade com o cais, que passa de uma cor nostálgica para um tom precário.

Pós escrito
Decidi escrever sobre o poema de Madô na primeira lida, no dia 28, mas já tinha planejado outra coisa que complementava a coluna anterior. O texto ficou para esta semana. O problema é que ele sai dois dias após a própria autora, em sua crônica de domingo em A Tribuna, ter tecido comentários à Rota Literária, a tal da apresentação de que participei na escuna. O aparecimento dos dois textos poderia parecer troca de favores, grande mal das letras, mas não poderia deixar de escrever sobre o poema por causa disso. Paciência.

Referências:
Madô Martins. Raízes. In: Doce Destino. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1999.

Narciso de Andrade. Poesia sempre. Santos: Editora Unisanta, 2006.

Roldão Mendes Rosa. Poemas do não e da noite. Apresentação de Narciso de Andrade. São Paulo-Santos: Editora Hucitec, Prefeitura Municipal de Santos, 1992.

Alberto Martins. Cais. São Paulo: Editora 34, 2002.

Flávio Viegas Amoreira. Escorbuto – Cantos da Costa. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.


1 comentários:

  1. Porra, vocês emplacam uma atrás da outra.

    Uma melhor do que a outra!!

    Mas quatro fazendo o blog é covardia.

    Mas nós gosta.

    Eugênio

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