quinta-feira, 22 de janeiro de 2015


Por Ademir Demarchi



Uma poética da inadaptação

Com dois livros publicados, Nelson Alexandre enfatizou uma estética que se pode dizer da inadaptação (muito bem definidas nos títulos) com personagens vivendo à margem econômica da sociedade mas com imaginação fantasiosa: suas mentes parecem ocupadas por filmes de Hollywood a ponto de ditarem suas ações, porém, mal acontecendo, são sempre falidas pela realidade no encontro com o que verdadeiramente são. 

De conto em conto, no livro Paridos e rejeitados, de poema em poema, no livro Poemas para quem não me quer (ambos pela editora Multifoco) esses personagens são o tempo todo atravessados por referências fílmicas e literárias, querendo ser mais que os seres frágeis que são. 

Na leitura vamos tropeçando em fantasias de beberrões que gostariam de ter vindo de Bukowski, de ambientes ou de personagens de David Lynch, como um que se sente o Homem Elefante rejeitado e com baixa auto-estima, assim como fantasmas de Henry Miller, de Céline ou de Rimbaud. 

Sintetizam-se num ex-jogador de futebol que, falido em sua tentativa de jogar, acaba torcedor de futebol vestindo uma eterna camisa do time como se estivesse em campo em todo lugar que vai... Na impossibilidade de transformar em pele a camisa, resta o plano de tatuar o distintivo do time como se, com isso, se ganhasse distinção...  

A formação sentimental desses personagens é edulcorada por filmes como Love Story mas danada por um quartinho de fundos que expurga todo o romantismo que possa existir, onde se é casado com uma boneca inflável. 

“Paralítico com pernas de jogador de futebol”, o personagem que se multiplica no livro de contos em sucessivas metamorfoses vai, num átimo, de Dom Quixote para o taxista vivido por De Niro em Taxi Driver, podendo se transformar num “Homem que Murchava”, inapetente por irreconciliado com seu sentimento, ou seja, um idiota quase total, conforme citação de Kerouac.  

Tudo se passa “em algum lugar do norte do Paraná”, numa improvável cidade chamada “Space City”, de codinome Maringá, “cidade em que as árvores respiram o monóxido de carbono dos milhares de carros que trafegam por suas ruas e avenidas estreitas como veias entupidas com vaselina ou gordura de torresmo de porco”. 

Essa cidade que se vende verde e bela vai se desfigurando nessas ficções como naquele filme de David Lynch, Veludo Azul, em que a câmera vai chegando na cidade, numa bela casa e seu jardim, fechando foco na grama artificial de plástico em meio à qual aparece um dedo amputado. 

Nessa Space City, portanto, que também poderia ser a de Twin Peaks, como num estúdio de Los Angeles, Nelson Alexandre esbarra o tempo todo em zumbis e cadáveres. 

Nela se convive com gente querendo ser a cantora Madona, mais para balzaquiana num quadro de Bosch,  com sujeitos insanos como “Bigatão” que cresceu comendo goiabas com larvas, ou malucos querendo colocar em prática o filme O massacre da serra elétrica, cujo narrador, ironizando essa vida à fantasia, finalmente o executa em seu chefe para se sentir livre e para alertar que a serra não era elétrica, mas à gasolina... 

Space City tem uma conexão espelhada em Sinop, outro cancro criado na vegetação do Mato Grosso, como também nas zonas de prostíbulos, como o “Mar de Netuno”, uma área à margem da fantasmagórica Rodovia do Café, entre Sarandi e Marialva, no norte do Paraná, com escravas à disposição. 

Não à toa Hunther Thompson é personagem de um dos contos: criador do “estilo gonzo”, que tentou por mais uma vez acabar com a distinção entre autor e personagem, ou seja, entre ficção e não-ficção. 

É a aposta de Nelson Alexandre, que já demonstrou capacidade e imaginação em recriar a cidade. Bastaria agora, com o exercício feito, depurar o excesso de citações e tantas referências e criar os romances e tramas que a cidade está pedindo.

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