terça-feira, 20 de janeiro de 2015



A poesia que sulca a vida, em "Caderno de um ausente"


Por Adri Aleixo


“Talvez eu tenha sonhado com girassóis sem conhecer."
Bartolomeu Campos de Queirós

Penso que esse pensamento acompanhará Bia, personagem de João Carrascoza, em "Caderno de um ausente", durante toda a sua vida.

Imagens
Fotografias
Impressões
Narrativas em sépia

Minúcias contadas pelo pai como gotas de orvalho que vão ganhando a pétala ou a erva. Pois viver é doer, viver é acostumar-se ao adeus. Neste caderno, endereçado à filha, ausências presentes se avolumam entre o nascimento de Bia, escassez do tempo sentida pelo pai e a saúde frágil da mãe.

"No reino das palavras, as únicas que valem para sempre são as que anunciam o adeus."

"Eu só posso te garantir, agora que chegaste, a certeza da despedida”.

"Caderno de um ausente" apresenta linguagem esmerada, rica em imagens e muito próxima à poesia. Em tom íntimo e confessional o pai se entrega à filha detalhando o seu passado, bem como o de seus ascendentes. Em meio ao cotidiano, a história herdada é narrada com preciosidade, pois a ela estamos incrustados, e a que se vai construir, como o bem mais precioso.

O pai narrador ressalta a grandeza do mínimo, delongando-se em singelezas e istmos do presente.

Beleza
Tempo
Sonho
Transitoriedade

"Eu ia te ensinar porque se vê retirantes no poente, e porque não há hora certa para inserir morte na paisagem..."

"Ia te mostrar porque não há terra prometida, senão em nós mesmos."

Estas memórias futuras não apontam inexorabilidade, nem tramam a orfandade, para além de tentativas como essa, o romance rompe padrões formais refletindo a escrita e rescrita da vida e afirma: "a vida é um resumo".

A filosofia do sentir... Certa vez, disse Pessoa, que pensar é estar doente dos olhos, neste caderno, somos levados a sentir; fazemos esse exercício, através da palavra e também do silêncio, que canta, liberta e alimenta.

"O silêncio ajardinado"
Haroldo de Campos

Na obra, essa filosofia do sentir é apresentada por Juliana, que de poucas palavras e saúde frágil, perfuma a família com longos infinitos de sabedoria.

Enfim, saciados de vida e poesia, nós leitores vamos despetalando o invólucro de sensações que o romance desperta, pois a parte mais doce nem sempre será sua gema.


Adri Aleixo é poeta e professora de Linguagens

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