terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Imagem de Antonello Silverini 

Por Flávio Viegas Amoreira


A literatura brasileira num sentido amplo e sem precedentes de criação não só em quantidade, mas densidade e cosmopolitismo vive momento gozozamente rico:  inaprenssível  literatura do estilhaço, quando por razões cibernéticas e mutações urbanas, não existem centros canônicos e em definitivo nos libertamos de todas peias: acadêmicas, de patotas de redação e 'tchurmas" ungindo e validando a produção dum escritor. Que o arrivismo, o nepotismo e os jogos de influência persistem, isso é da razão do "mercado editorial", da companhia das índias autorais, não da insurgência desdobrado-se como Literatura de resistência através de contaminações virtuosas de pequenas editoras,  descentralização dos eixos de divulgação, desnormatização através de suportes heterodoxos. Levando  em consideração  esse renascimento "hightech" internético que não cria conteúdo, mas forja espaços para neoconstruções narrativas, poéticas e retroalimentação de gêneros entre pontes artísticas inauditas. Nascido num porto mítico próximo a megalópole, ainda adolescente vibrava com escritores saídos pela "Massao Ohn" ou "Brasiliense": ainda assim não me encorajava até os 25 anos batendo em porta de editora: freqüentava os bares, sebos e teatros undergrounds do cais de Santos, da Teodoro Sampaio em Sampa e da Barata Ribeiro no Rio. Que chances tinha um escritor "cabaço" de convívio literário, fora dos muros da USP,  de esquerda  enquanto  ruía o muro,  gay temeroso quando a Aids surgia, encontrar uma porta naquele fim de ditadura brasileira? Ver Plínio Marcos, meu conterrâneo, pelo Copan, e João Antônio, por Copacabana,  era o máximo de concretude de que existiam escritores pelas ruas feito eu! Anotava sofregamente em cadernos infindáveis com um olho em Rilke e outro em Wilson Martins,  lendo tudo de Haroldo de Campos sem descuidar dos livros de Afonso Romano: além das ortodoxias  dicotômicas, um escritor precisava ter um galho na PUC ou na Folha: eu me imaginava já quase aos 30 anos um  poeta na gaveta. Eis que surge a facilidade do e-mail  para esse "panicoso bipolar", sou editado pela já antológica 7 Letras, surgem chats literários com João Silvério Trevisan,  blogs  dos autores das "Gerações 90" e "Zero Zero", megaportais como o Cronópios  e convites para intermináveis saraus em transe: a re-descoberta da literatura pelo teatro, cinema e artes plásticas. A Literatura não nos faz reféns dos ditames monolíticos do mercado, encontramos brechas deleuzianas,  produzimos em larga escala no universo digital concomitante à produção de livros artesanais  pela  "Dulcinéia Catadora": a TranZmodernidade me salvou do alcoolismo inédito.... sem ufanismo em retrospecto: mas me impressiona a quantidade de jovens interessados em  Alta Literatura ainda que começando presos a "punheta bukowskiana"; enquanto eu esperava anos para ler Lautréammont, eles podem comprar em pocketbook nas bancas e  quando imagino na luta para comprar Cioran, vejo  que suas obras completas são clicadas e ruminadas com sutileza chinesa por Rimbauds da Vila Madalena! Só o que falta é política pública para leitura: o Brasil ainda não está  altura da profundez de sua escritura. Criar demanda interna, ultrapassar a antropofagia levando ao mundo nossa imagética: vamos criar o "boom brasileiro"! a Rua Augusta tem mais valores literários que os  convescotes  livreiros de Paraty a Bloomsbury inteiro.


[Flávio Viegas Amoreira, escritor e jornalista]

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