quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Por Ademir Demarchi



Suave como a morte, de André Luiz Cosme Ladeia (Penalux: Guaratinguetá, 2014).


            Uma epígrafe de Dostoiévski dá o tom desse livro de poemas: “Saí para me divertir, acabei num enterro”.
Essa frase, em meio aos poemas, pode ser lida como metáfora da experiência de escrita poética: o autor se meteu a escrever poemas e acabou sendo levado pela morte, tal como em “Piazza Navona” (abaixo), o mais imaginoso e divertido do livro.
Esse encontro já era anunciado no primeiro poema: “Quando nasci/ A morte/ Veio me visitar/ E me presenteou/ Com seu relógio negro”, para marcar o tempo passado com a insônia de Cioran “que aflige toda a humanidade”, numa “vigília constante, incessante”.
É dela e de seu silêncio que emergem os poemas, como contundências contra a qual se deve ambicionar a suavidade da morte.



NASCIMENTO


Quando nasci
A morte
Veio me visitar
E me presenteou
Com seu relógio negro

O coveiro que fez meu parto
Me benzeu
E depois
Começou a preparar a minha lápide

As bailarinas dançavam
Com a morte
Ao som de uma música lúgubre

Os sinos badalaram
Para comemorar o início
Do meu enterro.




*



PIAZZA NAVONA


Na Piazza Navona
A morte me chamou

Ela apontou pra mim
Estendendo e dobrando o indicador
Como quem diz: “vem”

Surpreso, olhei para ela
Como quem pergunta: “sou eu? É comigo?”

Ela acenou com a cabeça
E fui a sua direção

Como podia negar um pedido desse?

As pessoas esperam a vida inteira
Por esse momento

E ela estava bem ali,
Na minha frente
- de túnica preta, mascarada e com tridente –
Chegou a minha vez.

Ela estendeu a mão e me abraçou.
Eu sorri e lhe dei umas moedas.

Foi uma das poucas vezes que
Morri
Alegre

Com a vida.

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