domingo, 25 de janeiro de 2015





Por Flávio Viegas Amoreira


há um corpo sem alma brotando dos vales

um rugido ecoa duma encruzilhada feito praça de touros
os estudantes, operários, a conversa de comadres:
tudo leva descrer que exista mesmo uma cidade
essa é pátria sem ancestrais reconhecíveis
as fachadas cobrem-se de resto
enquanto conto os rostos sem lábios expressos
continuam rolando os números substitutos de nomes
que se mudam para o Araçá sem deitar herdades
na boléia de carros sem cortejos não mais saudades
sentimentos são mal vindos: correm todos sem fúria
um vazio se abre numa clareira trançando a urbe
que fala baixo para o barulho não se inquietar de espanto
atrás da Igreja Santa Cecília nasce uma odisseia virgem
e sobe um bonde invisível entre a Rua Veridiana e a sina mal impressa
da legião de mortos/anjos escalam estrábicos parapeitos farejando
em coro um barão do café conduzido com pompa as esferas em fótons
a linha absurda dos ressuscitados: Lapa - Praça do Patriarca

transido: o tempo não mais contado

corpos em permanente exílio:
honestamente a cidade é só um pretexto para seus olhos sobre as coisas não explicadas restam as palavras
dizer o possível
ávida a noite engoliu a vontade da pressa:
o amanhecer será a alguém a lida e a prece
hoje entrou-me no ventre da alma um amor que sonhei
descendo a Rua Augusta, preciso como a chuva das cinco

quero-me libertar-me de Sampa

torna-me refém de seu precipício
anular-me de sua lembrança
mas quedo gozoso com o Copan entre as coxas
fálico com suas dobras oceânicas como um tubérculo nascido entre minha boca
e calidez do ânus: túmido, emprenho-me pelas costas
estéril como um córrego canalizado de teu esperma

estrelas errantes entorpecem

se eu pensasse uma vontade doida
a mentira se faria concreta como um gemido lúcido
da grande dama encerrada como fruto estranho na Major Diogo
e só os loucos tem um só motivo belo para não desistir do sempre
eu que me estranho por farejar o Eterno estilhaçado nos guichês e filas compras, pagamentos em banco, formigueiros na 25 de março
eu que não mais suporto ser cotidiano, não sei ser moderno
transito entre a foz e o rebento... desço a bucólica Vila Mariana
numa primavera com rosto mesmo tranquilo de Ana Rosa transido de amor
busco meu Rimbaud imaginário entre a Rua Pelotas com Morrissey ao ouvido: “This Charming Man” e o jovem esguio e lívido, num véu leve de viadagem beat, me cercava de esperanças enquanto olvido a massa amorfa

em Sampa todos os poemas são esparramados em prosa buscando um horizonte

entre a verticalização neo-clássica dum gosto típico de New York do brejo
a Rua Amaury, os cafezinhos com mulheres fakes de traveco e seus Havana, os rostos sarados correndo ao petshop, não aguento mais Sampa
se não inventar a minha masturbada num jorro de poema contaminado da verve de Whitman, saudades de Piva e um oásis na Casa das Rosas onde
Willer e Guedes fazem as honras dos paraísos artificiais de Win Wenders

Não! não a Sampa de Sommer e Hercovitch: abaixo a Sampa broxa

e maricona! quero uma Gotham City avessa onde Heath Ledger inverta as cartas : a chave do medo é o caos! 
os malabares de volta às esquinas fervidas! Neurópolis de Tragtenberg e todos os saxofonistas nos saudando entre o Bela Artes e o Garoa Paulista: não matem Sampa com as armas
sutilíssimas do tédio!!
do charco ao viaduto: matar uma cidade pelas bordas: urbanicídio contra rios, músicos, cinemas de calçada, urbanicídio contra o pensamento estaiado em lombadas: ora diremos ainda em Sampa veremos estrelas!! a Sampa dos invertidos de Lorca e Ginsberg!!

duro como cão sem plumas, ébrio entre o Trianon e a serra que nos socorre:

estendo-me a ver todos tipo-assim-tá-ligado no parapeito da Praça do Pôr do Sol baseado em sinestésicos hologramas sinápticos e releio João Cabral de Melo Neto tão sertãorido quanto o papo Mercearia São Pedro: Sevilha é a única cidade que soube crescer sem matar-se. Cresceu do lado do rio, cresceu ao redor, como os circos, conservando puro seu centro, intocável, sem que seus de dentro tenham perdido a intimidade...

Sampa, urbanicida neo-jeca resgata os rios e poetas!

Megalópole não para vencer na vida
Mas adensar o mundo por dentro profundo e denso....
ainda a mata atlântica resgatará do Jaraguá ao Banespa
as vias nervosas, fresta por fresta, e Sampa não mais de
alcaides des-entendidos, será dos rios e poetas!!

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